Crítica Literária | Marcelo Ariel sobre “América Xereca” de Eugênia Uniflora (Jéssica Iancoski)

AMÉRICA XERECA é como uma ópera-r.a.p. contra o réquiem colonial-mono-linguístico neoliberal tatuado como códigos de barra nos corpos e é também algo para além disso, é um poema-orquídea e possui camadas secretas que uma segunda e terceira leituras podem abrir, Uniflora conversa com os territórios domados do antipresente em um discurso que é uma amálgama de fúria, alegria e urgência, este é também um poema-evocação de um despertar e de um levante total, como o desejado e poetizado por Marguerite Duras, Roberto Piva e outras manifestações da vida-toda-poesia.

Escrever, mais do que a arte do futuro, é a arte da defesa de uma utopia que se manifesta nos corpos que não foram sequestrados pelo narcisismo cínico do poder instituído, e esse poemanifesta de Eugênia Uniflora é um grande elogio, tanto das diferenças insurrecionais, quanto de uma linha que une pensamento, sentimento, fala e ato em um gesto multifacetado e indomável plasmado em todo o poema, como aquela pulsação impossível de ser ignorada que foi anteriormente sintetizada no conceito rimbaudiano CHANGER DE VIE/MUDAR A VIDA e que esse livro-poema-manifesta atualiza e contextualiza em uma chave mais ampla, em uma chave-escrita-nos-corpos-do-desejo-por-uma-vida-livre. O poema de Eugênia Uniflora pede aqui a grande coerência das mudanças, o cultivo da firmeza permanente e a defesa da alteridade como política & poética, sabemos desde Paul Preciado que é impossível separar uma coisa da outra quando tomamos o partido do vivo e das diferenças livres.

É impressionante a potência cênica desse poema, sugiro que AMÉRICA XERECA seja lido em voz alta, trata-se da imantação de um campo de forças inaugurais que estão dentro de nós prontas para irromper como um tsunami, como um ciclone, como uma grande tempestade.

O poema se encerra com uma citação de Ailton Krenak que, de certa forma, convida para a mutação de tudo o que foi lido em experiência. É um poema a ser transformado em experiência coletiva em breve, porque a AMÉRICA do poema não é uma potência de morte, é um modo de atravessar tempos cristalizados para demarcar o presente como um campo de vida a ser transformada em vida.

Marcelo Ariel nasceu em 1968, em Santos (SP). É Poeta, Performer e dramaturgo. Autor dos livros Tratado dos anjos afogados (2008), Diário ontológico I e II (2013), Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio (2014, semifinalista do Prêmio Oceanos) e O rei das vozes enterradas (2015). Vive em Cubatão (SP).

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