Crítica Literária | Luci Collin sobre “Tudo Que Queima” de Mabelly Venson

Tudo que queima derrete e ofusca e repara. E estar no que é a vida que tem sido, estrelas. Então Mabelly Venson está aqui a criar o convite-mapa para novos sentidos e novos estados – do tempo e do fragmento; da hipótese e das flores mesmo. E aos deuses mudos e sem maiúscula, o que se ouve na canção que faz renascer o que se carrega nos bolsos. E tudo é poder arder. E muito é dizer da língua e do fogo. Nas palavras aqui torcidas estendidas todas sol e ilíadas todas acrobacias. Nas palavras aqui a manhã fina e a coragem feita a Deusa que já não precisa vir disfarçada e abriga os meses do poema e da carne (um piano parido se oferece ave roxa por culpa nenhuma). A irmã o filho a flecha o segredo o menino a coroa a despedida a pele o mergulho o colo o suspiro o arrepio o anjo o espinho as listas: até que os olhos secos falam do novo alvo a todo volume.


E tudo que queimar será andar na chuva será perder antes de ontem será a letra líquida e o ferro que marcou a mulher (orgulhosa pálida entre tantas) sentindo, transitando e ela. Vogais alinhavadas e verbo rasgado e antônimos mastigados querem e versejam sendo felizes imenso naquelas noites de quinta de sorte de sede de grito.


Preste atenção: há olhos arregalados aqui e desejo datilografando um inventar-se. É língua de próprio punho a preencher silêncios contando em perfumes, encaminhando lugares e mensagens na vida que se trança. Todo dia. Tudo que queima na ponta da língua. Tudo que tem muito a dizer. Domesticar dragões e terremotos é feito sussurro: venha, reacenda, sinta.

Luci Collin é ficcionista, poeta, educadora e tradutora. Graduada no Curso Superior de Piano (EMBAP – 1985), no Curso de Letras Português/Inglês (UFPR – 1989) e no Bacharelado em Música – Percussão Clássica (EMBAP – 1990). Tem mais de vinte livros publicados entre os quais Querer falar (Finalista do Prêmio Oceanos 2015), A palavra algo (Prêmio Jabuti, poesia, 2017), Rosa que está (Finalista do Prêmio Jabuti 2020), Dedos impermitidos (contos, 2021, Prêmio Clarice Lispector – Biblioteca Nacional) e Olho reavido (2022). Participou de diversas antologias nacionais e internacionais (nos EUA, Alemanha, França, Bélgica, Uruguai, Argentina, Peru e México). Na USP concluiu o Doutorado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês e dois estágios pós-doutorais em literatura irlandesa. É professora aposentada do Curso de Letras da UFPR e atua na pós-graduação em Tradução da PUC-PR. Ocupa a Cadeira 32 na Academia Paranaense de Letras.

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