Da zona leste da cidade, Anderson Maurício desenvolve o projeto Casa Flor’esta, que resultou no livro de poemas “Oráculo da Missão”
O plantio e cultivo da terra como forma de colher palavras e poemas. Esta é uma das definições para o livro “Oráculo da Missão”, do multiartista Anderson Maurício, que tem um lançamento para o próximo dia 20 de agosto na Ria Livraria em São Paulo (SP) das 17h às 22h, com show de Dayalu e entre os dias 3 e 5 de setembro no Festival Literário Internacional de Poços de Caldas, o Flipoços. Também serão feitas ações em feiras livres da cidade de São Paulo entre os dias 2 a 7 de agosto das 10h às 12h. Já no dia 23/09, Anderson se apresenta no CPF Sesc, em São Paulo.
Durante os últimos anos, Anderson têm se dedicado ao contato com a terra, o que permitiu a escrita do livro, que é composto pelas vivências pessoais do autor, as histórias orais que ele ouviu, sobretudo no projeto Casa Flor’esta com as ações de construção de canteiros agroflorestais de sementes e ervas medicinais em terras periféricas, o autor, nascido na zona leste de São Paulo, colheu as poesias que agora compõem a obra, que é também um livro-objeto.
“O livro nasce a partir da minha relação com as plantas, legumes, verduras, frutos, pessoas e a própria terra”, conta Anderson Maurício, que aposta numa capa interativa para a obra, com um corte, traz o desenho do coração com ervas que fazem bem ao coração, como Ginko Biloba, Garcinia, Espinheira Branca, Chá Verde, Folha de Oliveira, Freixo, Centáurea Menor, Arandos e Alho.
Deste modo, a obra faz jus ao título e dá a quem o manuseia, a finalidade do oráculo. “É uma forma que encontrei de quem tem o livro em mãos consultar o próprio coração e a própria existência”, destaca Anderson.
Outro ponto a ser observado é que com a pandemia, a realização do projeto trouxe para a periferia a possibilidade de olhar para a terra, provocando esse cuidado com a natureza. “Penso que esse é um chamado que este tempo trouxe para gente e é preciso que exista um movimento de retomada e de sequência com este cuidado”, acrescenta.
Realejo do Cultivo
Para o lançamento, o artista produziu o “Realejo do Cultivo”. Um carrinho decorado com sementes, ervas e essências, que levará exemplares da obra a algumas feiras livres (de frutas e verduras), a fim de, a partir de plantas, poemas, áudios e cheiros, aguçar os cinco sentidos das pessoas que se interessarem. A ideia é percorrer feiras em pelo menos três diferentes regiões de São Paulo.
“Essa intervenção, que é uma brincadeira com o realejo das ervas, vai trazendo mensagens através dos cinco sentidos, que se conectam com o livro e a proposta dele”, conta.
A importância do livro
Anderson Maurício nasceu na periferia, extremo Leste de São Paulo, no bairro da Vila Itaim. “Nascer na periferia é assim: ou você come ou você sonha, porque na guerra diária da sobrevivência não há espaço para sonhadores. Oráculo da missão é uma fagulha, uma luz, um farol, uma semente milagrosa que germinou no meio do caos e da escuridão da pandemia de Covid-19 em 2020”, conta o poeta.
Desta forma, de acordo com o autor, o menino que ele foi se reconectou com sua ancestralidade e, neste livro, presenteia os leitores amorosa e corajosamente com poemas que mostram seu olhar vívido e otimista, mas sem deixar de compartilhar medos e angústias.
Vale lembrar que seu avô paterno era um poeta que riscava palavras na areia, no chão de terra e em papel de pão. Seu avô materno, pedreiro e agricultor, plantava alimentos em terrenos baldios para sustentar seus dez filhos e filhas. Seu pai, quando ele era pequeno, tinha uma barraca de tomate na feira, local que desde criança é cheio de memória, foi nesse local que Anderson aprendeu a andar.
“Este livro é uma forma de honrar e dar continuidade aos passos desses ancestrais, que não tiveram a mesma oportunidade. Por fim, Oráculo da missão é também uma forma de Anderson homenagear sua amada mestra Lídia Zózima, que sempre dizia a beleza da vida está nos pequenos milagres do dia a dia: no germinar da semente, no nascer do sol, na colheita do fruto, no abraço apertado, no sorriso sincero. E este livro é um convite para que sejamos capazes de olhar amorosamente para nós, para o outro, para a natureza e o mundo”, completa.
Vale dizer que o livro é fruto do projeto Casa Flor’esta, um espaço multicultural, humano-agroflorestal que propõe estimular manifestações artísticas em seus diversos segmentos e incentivar a prática da agrofloresta (SAF’S).
Localizado na região periférica do Jardim Romano e Vila Itaim, sendo áreas que lidam frequentemente com as enchentes e alagamentos, além de estarem entre as dez regiões menos arborizadas da cidade de São Paulo.
Desde 2017, são realizados estudos que têm proporcionado o aprimoramento do trabalho, possibilitando a construção de canteiros em conjunto com os moradores da região, amigos, parentes e agricultores. Foram construídos 06 canteiros, realizado 09 plantações coletivas e 03 colheitas com distribuição dos alimentos.
Essa ação se desdobrou simultaneamente com as ações artísticas com festas juninas, um projeto artístico contemplado pelo programa VAI, além da confecção de um documentário, e a pesquisa “Gleba – Territórios da invenção”, que investiga as novas formas de estar presente nos espaços público através de ações educativas e artísticas.
Além disso, o autor esteve, durante um tempo, em casas de repouso com a oficina Plantando Palavra, que foi realizada em diferentes localidades da cidade de São Paulo (SP). Nestes encontros foram realizadas rodas de conversa e escuta dos habitantes, produzindo vivências que também estão presentes na confecção dos poemas do livro.
Ônibus como possibilidade de circulação
Com a Zózima Trupe, grupo teatral que Anderson Maurício integra, há um ônibus, chamado de arena intimista, que permite que os atores circulam por diferentes pontos, sempre num movimento de atrair o público para uma experiência cultural única, realizando performances e encenações em diferentes pontos de São Paulo.
Com o livro, o autor pretende levar o lançamento para alguns pontos, sempre tratando o veículo como um lugar de afeto, não apenas de trânsito, mas também de pousos para a arte.
“Nossa ideia é sempre desbravar o arcabouço do ônibus como espaço cênico e falar diretamente ao trabalhador, ao homem simples, aquele que quase nunca vai ao teatro ou ao lançamento de um livro e essa ação prevê isso, essa interação entre os agentes culturais e as pessoas da comunidade”, explica Anderson.
Com o ônibus abrigando também o lançamento do livro, a ideia, segundo Anderson é descentralizar e democratizar o acesso da obra para a periferia. “Com esse ato, conseguimos transformar e ressignificar os acessos, que é um dos nossos principais objetivos”, declara.
Sobre Anderson Maurício
Estudou atuação na Fundação das Artes de São Caetano do Sul, direção na Escola Livre de Santo André e na SP Escola de Teatro e gestão cultural no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc. Em 2007, fundou a Zózima Trupe. Dirigiu e atuou nas peças Cordel do amor sem fim (2007), Valsa n° 6 (2009) e Os minutos que se vão com o tempo (2016). Coordenou o projeto Arte Expressa (2012 a 2016) contemplado pelo Fomento ao Teatro, na 20° e 24° edição; a ação Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro! (2014, 2015 e 2016). De 2014 a 2018 trabalhou nas Fábricas de Cultura, como diretor teatral no Projeto Espetáculo. Dirigiu o espetáculo Iracema via Iracema (2017), Desterro (2018) e A Cobradora (2019). Em 2019, foi indicado junto à Zózima Trupe ao Prêmio Shell na categoria Inovação – por sua pesquisa contínua e suas ações de ampliação de público. Realizou oficina de gestão cultural: no projeto Omnibus Para Todes – Centro cultural sobre rodas, pelo Proac 16/2019; E também no projeto ‘ElevAção – transformando nossos caminhos através da produção cultural – Programa Vai I – do Coletivo OMIO em 2022; Autor do livro de poemas Oráculo da Missão e fundador do espaço Casa Flor’esta.