12 Poemas Estereótipos de Corpos/ Padrões de Beleza, selecionados pelo podcast Toma Aí Um Poema para o projeto #DiVersos: novos autores pela diversidade, poesia contemporânea brasileira.
#DiVersos é uma ação do Toma Aí Um Poema para incentivar e popularizar o fazer poético dentro de temáticas que são vistas como fora da norma social vigente como padrão.
Os temas abordados pela iniciativa contemplam questões da LGBTQIA+, da Negritude!, da Favela/Periferia e dos Padrões de Beleza/Estereótipos de Corpos.
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Por um mundo com mais poesia!
Glaucio Bandeira – Perdão
Lindo, belo, brilhante, decepcionante…
Corpos magros, sarados, suados, desnorteados…
Lugares ensolarados, iluminados, elitizados, futilidades…
Frases motivacionais, dancinhas virais, usuais, banais…
Curte, compartilha, julga, expurga…
Tenha coragem, você consegue, só depende de você, à mercê…
Não se esforçou, relaxou, decepcionou, questionou…
Ódio propaga, fotos apaga, tá pago!
Eu não consegui, seguir, prosseguir, resistir …
Perdão, padrão!
Gabriela Lages Veloso – Vênus
Folheando uma revista, deparo com um
rosto, uma história. Uma mulher impecável,
a beleza personificada. Mas, ao observar
atentamente sua face, vejo apenas uma
forma, um esboço de vida. Folheando o
grande livro da história, deparo com uma
luta ancestral pelo pomo da discórdia.
Muitos sóis e luas se passaram, e a pergunta
permanece: quem é a mais bela? Com o
passar das estações, em um giro pelo globo,
as formas mudaram, sempre mais apertadas,
inalcançáveis e cruéis. Talvez, em um futuro
distante, alguém compreenda que a beleza
é um espelho de muitas faces.
Estefania Tabata – A Imagem No Espelho
Olho profundamente naqueles olhos
Vejo minha imagem refletida nele
Mas não deixo de me perguntar
Essa sou eu?
Meus cabelos opacos
Meus olhos sem nenhum brilho
Muito alta, para idade
Muitas espinhas, para alguém tão nova
Mas quanto mais olho
Mais eu me concentro
Naquilo que me incomoda
Naquilo que me fere só em ver
Eu sou tão grande?
Isso são mais dobras?
O tempo passa
E mais eu cresço
Para os Lados e Para Cima
Mas minha aparência não me fere
Gosto de como sou
Mas me lembro do que está ao meu redor
Tudo parece dizer que sou inadequada
Que minha forma não se adequa
Que às roupas na loja não me servem
Que em frente aos programas
Não me sinto representada
Então me pergunto
Enquanto que olho a imagem no espelho
O padrão está errado
Ou sou eu que sou inadequada
Para esse Mundo de Beleza Única
Eduarda Espínola – Loja
Da prateleira de padrões,
Tiras tua fala empoeirada.
Mas não preciso que me arraste
Contigo, em ideias rasgadas.
Não sou tua vitrine,
E não me espere pousada.
Sou feita de essência e batimentos
Cardíacos, meu corpo é morada.
Sou o que sou,
Verdade escancarada…
Trago o ímpeto de vidas passadas.
Nego seu convite,
Não me verás na entrada…
Da velha loja de mudanças forçadas.
Melissa Paiva – Tosca Boca
Se o meu corpo é meu
Por que não sai da sua boca?
Palavras endereçadas
24 horas por dia
7 vezes por semana
A alguém que não pediu
Você espelha uma frustração sua
Na minha embalagem
Você exige que as embalagens
Sejam simétricas
Perfeitas
Mas a sua tampouco é
A sua embalagem talvez nem exista
Eu não sei quem você é
E nem quero saber
Ninguém quer
Mesmo assim
A sua faca corta
As embalagens que você roubou sem dó
Exigindo que essas embalagens
Fossem simétricas
Perfeitas
Mesmo você
Nem o mundo perfeito
Dos corpos esguios, magros, brancos e lisos
Não existindo
Henrie S. Reis – ReForma
Na frente do espelho era medo,
Encarando sem calma a falta de alma
Que aponta e define, que a distingue:
Grande, pequena, de menos, de mais.
Inutilidade que não se apraz.
Na frente do mundo se perdia no escuro,
Ouvindo vozes que constroem muros,
Paredes de caixas invisíveis que causam cicatrizes.
Sozinha ela chora, rezando ela implora.
Pela liberdade, de ser de verdade.
De chegar ao topo dentro do próprio escopo.
Por uma reforma na forma que forja,
Na voz que sufoca e do sangue que jorra.
Ela só queria viver, sem se arrepender,
Sem precisar pertencer.
Ao espelho retorna, sua essência recorda
Uma selfie, um sorriso, arrasa gostosa!
No fim só havia um adendo,
Não precisava continuar sofrendo,
Ela só precisava se olhar por dentro.
Achar vida em beleza construída,
Na pureza de amar a si, e ser sua preferida.
Matheus Martins Sant’Anna – É Preciso Salvar As Flores
É preciso salvar as flores
Do cômodo vazio
Do cinza clichê
É preciso salvar as crianças
Do fala hostil
Do destino à mercê
É preciso salvar a mim
De nós mesmos
Mas também a ti
Salvar com o perdão
Que haja compaixão
Mas também haja um por quê.
É preciso salvar as almas
As escondidas no armário
Daquelas que fogem do ódio
É preciso salvá-las
Para não louvarmos
Do que do povo é o ópio
É preciso salvar para não esquecer
Afetivo ou emotivo
Nada muito difícil de aprender
Que o amor não tem idade
Nos salva de uma vida monótona
E não se mede pela sexualidade
É preciso ser forte
Ainda que tudo indique o começo ou o fim
Ser herói dos pampas ao norte.
Conceição Maciel – Beleza Não Tem Padrão
Padronizar a beleza. Por quê? Pra quê?
A beleza está nos olhos
Não está na mente deturpada
Nem no olhar distorcido
Nem na exigência da sociedade
Muito menos no preconceito
Na cobrança
Nem nos velhos preceitos
A beleza, beleza mesmo
Está dentro das pessoas
Está nos gestos
Num sorriso
Num olhar
Num cantar
Não existe perfeição
Existe o amor
Afeição e paixão
Os sentimentos bonitos
Tornam as pessoas padrão
Padrão de amizade
Padrão de afeto
Padrão de alegria
Padrão de seres
Padrão de humanos melhores.
Hortência Siebra – Escalada
A lente dentro do embaçado.
São digitais de um e outro, sobrepostas.
No espelho,
mais refração das vozes do alheio
Do que reflexo daquilo que há.
É um eco cheio de imperativos vazios
Conduzindo ao vão,
Onde mora o que se padronizou,
Numa localização absurda
Sempre aquém ou além do possível.
Corpo meu? não.
Corpo encolhe e alarga,
Corpo envelhece e morre,
Corpo vira pó.
Ser só corpo é perecer.
E isso não me basta.
Nunca me bastará.
Fecho os olhos,
Respiro, sinto meu corpo
Subindo a montanha primordial.
Corpo-casa de morada quieto.
No alpendre, o de dentro conversa com o presente.
Abro os olhos.
A lente limpa silencia a refração.
No espelho, uma reflexão luminosa.
A divindade que habita o corpo
Manifesta em milagres,
Vertendo o corpo-casa em corpo-lar.
Corpo Largo do Indizível.
Corpo meu.
Maria das Graças O’Rocha – Poesia Intertexto Cecília Meireles
Eu não tinha esse corpo assim tão perfeito,
tão siliconado, artificial, tão fabricado.
Eu não tinha esse rosto
tão transformado pela harmonização,
onde ficou minha essência do ser.
Bicha Poeta – Corpo Dissidente
A BALBÚRDIA QUE ATRAVESSA MEU CORPO DISSIDENTE
CORPO DE BICHA PRETA, CORPO DE BICHA PERIFÉRICA, CORPO DE BICHA UNIVERSITÁRIA, CORPO DE BICHA ARTISTA, CORPO DE BICHA LIBERTÁRIA.
NÃO ME VENHA COM REGRAS, NÃO ME ENQUADRO À PADRÃO
NÃO SUPORTO ESSA TAL NORMATIZAÇÃO, MEU CORPO É TRANSGRESSÃO, OCUPAÇÃO, REVOLUÇÃO, EREÇÃO, TOMBAÇÃO, FECHAÇÃO, LACRAÇÃO, NAÇÃO, MEU CORPO É NAÇÃO
MINHA VOZ É MEU GRITO DE LIBERDADE, É A ARMA PELA IGUALDADE, ECOA VERDADE, VIVE A SEXUALIDADE, É VISIBILIDADE
EMPODERA MENTES, UNIFICA GENTE, BALBÚRDIA É COTIDIANA
CELEBRA, RESISTE, AFRONTA, POSICIONA, NÃO QUEIRA NORMATIZAR MINHA MENTE, NÃO CONFUNDA LIBERDADE DE EXPRESSÃO COM PADRONIZAÇÃO, PARA SUA COLONIZAÇÃO, MINHA ARMA É ARTE E EDUCAÇÃO.
Jéssica Iancoski – Posto Que É Morte
enquanto o escopo
do humano
se esgota
um corpo dissidente
se debruça sobre o outro
corpo
ou seria corpa
ou corpe
ou corpallitus
post mortem?
porque outros carlitus
e flavitus
nasceram em corpo de menino
e desde cedo são ensinados
a beber o seu leite
branco
com lactobacillus
vivos