Poema de Lua Pinkhasovna – A Fome Tem Endereço, presente na nossa antologia de poemas “Comer É Um Ato Político”. Leia de graça.
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Lua Pinkhasovna – A Fome Tem Endereço
Engana-se quem pensa que a fome nasce na boca, nos estômagos ou na mente,
alguns intuem, quase certeiros, que a mesma nasce nas calçadas de terra, nos casebres, descendo vielas, favelas, até mesmo nas encostas de morros, mas ela nasce mesmo é nos dedos
Nos subúrbios dos vácuos estomacais, constringem-se as dores da miséria,
cravadas em quem leva a vida repetindo diariamente aos filhos em meio ao afago das mãos um lastimável e doloroso: — dorme que passa! — ao urgir da fome,
sendo palavras suficientes apenas para encher os ouvidos mas jamais abrandar a dor do jejum imposto
Os campos abarrotados gritam, dizendo não serem culpados e que seus solos são ricos e generosos, pois não lhes contaram o trajeto percorrido por cada um de seus alimentos
que chega majoritariamente apenas a quem já possui o estômago com tecidos irrompendo, e as sobras de ossos, jogadas ao lixo, com um fiapo de pele, gordura grudada, sem um resquício de carne, tornam-se comida, quase tão mais viva, que os corpos que as recolhem
Nas mãos portando canetas, a fome passa pelas unhas, circunda as páginas inertes, e mesmo assim rasura vidas deixadas à própria sorte por quem tem na ponta dos dedos
as arestas para construir o mundo, mas empanzinado de si mesmo, arquiteta milimetricamente castelos ególatras e distantes pontes intransponíveis
mesmo tendo o poder de mudar o mundo, destina a fome a algum endereço
Desvelando assim, o segredo de que a miséria é a maior fonte de enriquecimento
e a fome é negócio, hegemonia, eugenia, preguiça, descaso, sadismo, descompasso social cientificamente pensado por quem prospera no caos
Enquanto eu sigo tecendo poesias, para almas alimentar, nos mais altos escalões soberbos há inúmeros empanturrados sem nunca atingir a saciedade moral de entender que em muitas casas, o prato vazio é o principal.
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Poema: A Fome Tem Endereço
Poeta: Lua Pinkhasovna
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