Poeta e professora da rede pública de São Paulo, Flavia Ferrari, lançou na última semana o seu primeiro livro de poemas, intitulado “Meio-Fio: Poemas de Passagem”. A obra foi editada pelo Toma Aí Um Poema, o maior podcast de leitura de poemas lusófonos.
Flavia Ferrari começou a escrever poesia no início da pandemia, compartilhando nas redes sociais e contribuindo com revistas literárias digitais. Desde o princípio, os seus poemas foram bem recebidos pelos leitores e pelos periódicos digitais.
Para Isabel Furini, poeta premiada no Brasil, na Espanha e em Portugal, a qual assina o prefácio do livro “Não é comum ler o primeiro livro de um poeta e perceber a maturidade de escrita que podemos observar nos trabalhos de Flavia Ferrari. É difícil encontrar essa qualidade estética.”
Meio-Fio: Poemas de Passagem é um livro de uma mulher que nasceu preparada para guerra: carrega a força do berro feminino silenciado que se rompe, sem explodir em violência, e sim em uma sensibilidade clariciana, a qual não nega a condição áspera da vida, se esfola e faz da ferida uma janela para a anatomia da vida e das relações humanas.
É um livro raro, de uma sensibilidade acessível e extremamente profunda que não se perde em construções excessivas. Flavia Ferrari explode suavemente a poesia que respira. Sem dúvidas, é uma poeta que terá um crescimento gradual contínuo que nasce com o dom de dissecar a linguagem poética, descobrindo uma glândula pineal coletiva.
Par Jéssica Iancoski, editora-chefe do Toma Aí Um Poema, “A poesia poesia vem para Flavia Ferrari de maneira cotidiana e intuitiva. Percebe-se que há muita facilidade, como se versar fosse um dom natural”.
ANUNCIAÇÃO
Não é possível olhar o alto
Se o ar ao redor está todo preenchido
O espaço pode ser este lugar sufocante
Nomeado
Mas não reconhecido
Não é fácil perceber o gosto
Se o que nos cabe é um pedaço ressequido
Sem a presença de um todo
Que nos faça acreditar
Não é prudente adormecer no caminho
Precisamos chegar e registrar o nome
Para que haja uma verdade momentânea
Da partida
Do motivo
Da carne viva
Não é comum os sons perderem a validade
Música esta que canta este tempo
Em que à memória parece ruído
Não é errado esconder-se
Da figura insana
Do momento não aguardado
Da convocação que não admite recusa
Mas não é prudente ausentarmo-nos
Todos os nossos sentidos são necessários
Mesmo que não haja espaço
Nem esperança
Nenhum movimento
Mesmo sem a tua companhia
Com a qual era fácil conseguir encontrar
*
FRESTAS
Há frestas por onde o sangue aflora
e o excesso escorre
e que cicatrizam
Há frestas que revelam
fragilidade
e uma ruptura iminente
Há frestas que acusam
um passado negligente
futuro incerto
Há frestas que orientam
que contam histórias
e aguentam
Há frestas que não cicatrizam
endurecidas
por onde só passa o ar
imperceptível
Há frestas invisíveis
que só se mostram na claridade
e somem quando chegam as sombras
Há frestas por onde brotam
elementos vivos
quando já não mais acreditamos
e resistem
*
CAMINHO
Estou entre
A imobilidade e a excelência
A obstinação e o abandono
A dança e o adormecer
A consciência e o delírio
Falta pouco
Falta muito
Falta direção
Falta companhia
Estamos (todos)
Entre a vida e a morte
Em que parte do caminho?
Há tempos ando em círculos
Melhor recomeçar
.
*
Flavia Ferrari (Santana de Parnaíba/SP) é mãe professora, escritora e poeta. Escreve contos infantis desde 2014. Estreou na poesia em 2020, no início da pandemia. Teve poemas publicados pela Escrita Cafeína, pela Revista Pixé e pela Toma Aí Um Poema. É autora do livro “Meio-Fio: Poemas de Passagem”. Mantém um relacionamento amoroso sério com a poesia.
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