10 poemas com temática Favela/Periferia, selecionados pelo podcast Toma Aí Um Poema para o projeto #DiVersos: novos autores pela diversidade, poesia contemporânea brasileira.
#DiVersos é uma ação do Toma Aí Um Poema para incentivar e popularizar o fazer poético dentro de temáticas que são vistas como fora da norma social vigente como padrão.
Os temas abordados pela iniciativa contemplam questões da LGBTQIA+, da Negritude!, da Favela/Periferia e dos Padrões de Beleza/Estereótipos de Corpos.
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Por um mundo com mais poesia!
Leandra Nel – Cores e Mídia
Nascida em um tempo em que a tv era acores
Eu, Não me via nela.
Eram poucos os negros em uma incrível janela.
Meu cabelo crespo não tinha representatividade.
Tranças ,prender e alisar eram as opções .
Negra com traços finos, negra de alma branca,
filha de negro com branco…
Falas com estereotipias repetidas na rua e na TV.
Eu nunca me achei a donzela de contos de fadas.
Não me via e aquilo me feria.
As bonecas que eu brincava nem negras eram.
O tempo passou e o jogo virou reconheço agora minha ancestralidade
Em toda parte jornal,tv,internet .
Podemos falar abertamente da descendência
Dos nossos orixás, do nosso batuque .
Da nossa negritude.
Derrubada de estatua de racista nós podemos fazer.
E se falar do meu Black podemos colocar a boca no trombone.
Vejam a força do navio negreiro da Senzala e do quilombo.
E a casa grande pira quando vê nós negros invadindo a grande mídia.
France Marinho – Espelho D’Água
No espelho d’água
O reflexo da negrura
Da pele reluzente
Contrasta com o branco das nuvens
De um céu
Que não foi criado
Nem por Deus
Nem pelo Diabo
Pois a criatura ali
Diante de si no espelho
Vinda do barro
Moldada pelas mãos de Nanã
Existe e resiste
Ancorada pelo sangue
De seus avós
Derramados das veias abertas
Em uma outra época
Consagrando o agora
E o que há de vir
No espelho d’água
A lágrima que brota
Escorre no peito arfado
Desejando vida
Ansiando morte
Retalhando o rosto que se mira
E se desfaz no trepidar
Do espelho d’água
Nada é constante
Tampouco infinito
E de certo somente o refúgio
Na esperança
Dos ecos da liberdade
Ian Barrem – O Corpo Perturbado
Perturbado. Calado. Debruçado sobre as palavras, próximo a Rondon.
Está a existência esquecida e invisível. A Dor negra.
Tudo vai embora, menos a dor que mora no coração vermelho do corpo negro.
Se houvesse amor e dignidade. Se houvesse pai, mãe.
Perturbado, aos vinte três, o corpo negro caminha com a dor.
Sem ser ninguém, mas sendo as palavras. É quase um Deus.
É um Deus! Mas perdido. Não conduzido.
Há vida! Há tristeza! Há um mar de palavras caladas.
Queria, o corpo negro, que as palavras da bandeira nacional fosse real para si.
Mas sua vida é cercada de incerteza. Sem apoio. Se houvesse pai, mãe.
Nós braços de Janaína o corpo negro fuma seu pensamento.
O corpo negro, perturbado, chega em casa e tem que suportar a existência de Um Deus tirano. Cristão.
O corpo negro, próximo ao paraíso de sua existência que é próximo ao cemitério,
Toma um copo de guaraná Paulistinha para refrescar. Ele fumava. Não houvesse pai, mãe.
Perturbado. Dançava. Brilhava. Fuma novamente.
O corpo negro tomava café na casa da tia Sueli, no paraíso, feliz.
Havia paz no seio da Vila Bandeirantes.
Contraditório.
Mas era o paraíso.
Era o lar desse Deus corpo negro, vivo nas palavras. Eterno, nas palavras.
M. Sales – A Jornada do Herói de Pele Escura Não Escrita Por Europeus
Correndo pelas pistas com a minha bike,
Ultrapassando carros com minha mochila,
Virando nas esquinas com meu tênis nike,
Capangas bem armados uniformizados.
Pisando belas botas com brasão do Estado,
Calçando gritaria e horror pra todo lado,
Furei sinal de bike e fui capturado,
E eu só queria jogar bola e ir para a escola.
Falei que criei rocks e que entrei pra história,
Fui precursor do samba e hoje é bossa nova,
Fugi pro rio Mississipi e inventei o blues.
Minhas vitórias e conquistas não convém.
Me torno número e estatística em jornais.
Século vinte um e ainda não encontramos paz…
… Em vida.
Jonedsun – O Sistema
além de falho,
é farda
além de bruto,
é branco
além de sonso,
é sujo
além de patriarca,
é pútrido
e além de tudo,
é assassino.
Bruno Andradi – Raízes
Raízes vitais, raízes ancestrais
Raízes de sangue, raízes viscerais
Raízes profundas, que correm nas veias
São córregos, trilhas, são mapas da aldeia
Raízes no chão que pisamos quilombo
Raízes marcadas na pele, pichadas no muro
E guardadas no ombro
Fotografadas no sub e inconsciente
Raízes sob o céu, raízes intensas
Em tom de sépia, o tom da pele é preta
Raízes Unganga, destino desde menino
Mamãe, papai, vovó, catimbó Olorum-nação
Raízes que andam se espalham no chão
Ancestral, sementes pra nascer novo tom
Raiz é poema, em alto em bom som
Victor Coimbra – T
Todo sangue
Derramado
Também
É vermelho
Bárbara Maria – Grito de Liberdade
“Ecoou um canto forte na senzala
Ecoou um canto forte na senzala”
Mas lá fora existe a tal da bala
Que abate o meu povo
Se livramos das chibatas
Mas continuam cravando
Meu corpo negro de bala
Morro quando o sangue dos meus escorre,
ladeira, rua, quarto e cozinha.
Morreu mais uma menina que esperava outra menina
Cansada de ser a mais barata do mercado, tratada como só mais uma estatística e vista como vítima na mídia.
Vítima de bala destinada, não foi perdida se o alvo é sempre um corpo negro no final do beco
Nem terminamos de gritar presente pro último inocente e já tem outro deitado chão.
Coração em pedaços, meu corpo sente o cansaço de quem come o pão amassado todos os dias.
O diabo fardado me espia
Na tentativa de calar minha voz
Matando mais um cria.
Se o choro da mãe não te comove, você morreu por dentro antes do motolov
Não me mate, pois já tô morta
Feito fênix, mas no pique águia
Sempre alerta
Ouvindo o riso da pequena Agatha
Nas asas de Marielle
Do grito de João
Vivendo na fé
Do axé.
Se livramos das chibatas
E vamos continuar lutando para se livrar das balas.
Raylyne Ribeiro – Sobre Todas As Vezes Em Que Fui Pintada
Olá,
Eu sou a “preta”,
Que é preta demais pra ser branca,
Mas é branca demais pra ser “preta”
—eles disseram.
Eu sou a “preta”,
Que é filha de outra preta que não aceitou que era “preta”
Porque o “preto” ainda é marcado como escravo,
E demarcado, como “bravo”
Eu sou a “preta”,
Mas que é “branca” demais pra sofrer racismo
Sou a “preta” obrigada a andar na “reta”
A que ainda consegue vaga nas “bancas”
A que ainda se “banca”
Eu sou a “preta”
Que não é bem “preta”
Sou a “café com leite”—intolerante à lactose
Sou a “parda”
A figurante cheia de “pose”
E todas as vezes em que fui “pintada” como a “preta que não era tão preta”
Me fiz de “careta” alisada— do cabelo à alma,
Adestrada.
Eu sou a “preta”
Que por não ser tão “preta” ainda tenho mais sorte
Pois de acordo com as estatísticas:
Só por ser “bem preta” já se está mais perto da morte;
Seja ela por abuso,
Bala perdida,
Ou apenas o “acuso”
Vindo de uma sociedade que enxerga tudo em preto e branco
Onde quem é de comunidade
Com certeza não é o dono do “banco”
—nem se o banco for o da praça.
Sou a “preta” que matam na periferia todos os dias, e brindam com taça
—de vinho,
Cor de sangue.
Adivinho,
E adianto:
Que eu sou a “preta” que já foi pintada demais como todos queriam
E agora sou minha própria folha em “preto”.
Oluwa Seyi – Preta
Não nega!
Se minha melanina entrega,
não precisa eufemizar
Sossega!
A luz do sol não te cega
A ponto de você não me enxergar
Não me entristece
Na verdade, só não me desce
Que você me chame de morena
Então, cresce
Me contemple e note o que prevalece
Minha pele não quer pena
Não cola
E nem mesmo me enrola
Esse seu termo atenuante
Mas tem gente que bitola
Não respeita a pele de Angola
E passa recibo de ignorante
Já desisti de ser didática
Hoje, desprezo é minha tática
Para que, no fim, eu não agrida um
Não é questão de ser dramática
Exagerada, muito enfática
Só valorizo minha essência-Oxum
Por que você não me entende?
Mulata, pra mim, não rende
E se chamar de novo vai ter treta
Meu cabelo, ninguém prende
Minha cor é um presente:
Tenho orgulho de ser preta.
MARTHA GIUDICE NARVAZ
diz:ameiiiiii
Julio Cesar Machado de Souza
diz:Grandes Versos Alumbrados!
Gleice
diz:ARREPIADA com as palavras de cada poema e foi difícil escolher um para recitar como faço todos os anos e vai ser um orgulho recitar que… Minha cor é um presente: Tenho orgulho de ser preta. Parabéns a todos os poetas e poetisas.
Maria Mimoso de Oliveira
diz:Como amante de poemas, eu amei cada estrofe, paravras lindas, arrepiantes é que toca a alma.
Preta eu sou, sou das cinzas.
Me faço art!🥰