Não É Denúncia, É Funil de Vendas: O Marketing do Medo no Mercado Literário

No universo editorial, há um tipo específico de discurso que vem ganhando espaço nas redes: o discurso da crítica generalizada e alarmista contra pequenas editoras. Um discurso que não se propõe a melhorar nada — mas sim a deslegitimar, simplificar e, no fundo, vender.

Porque, sim: a crítica virou produto.
E a insegurança de autores estreantes, um nicho de mercado.

Foto: Jéssica Iancoski
(Divulgação: Jéssica Iancoski)

🎯 Como funciona essa lógica?

Primeiro, lança-se uma crítica genérica e sensacionalista. Algo como: “Cuidado com as editoras pequenas, elas vão explorar seu sonho.” Não se diz qual, nem como, nem com base em quê. Apenas lança-se o medo.

Depois, vem o funil: “Quer saber como evitar isso? Compre meu curso.”
“Agende minha mentoria.”
“Adquira meu e-book sobre como não ser enganado.”

É a fórmula clássica do marketing do medo: cria-se um problema abstrato, associa-se à dor do público e, em seguida, oferece-se uma solução paga.

O que deveria ser um debate ético sobre práticas editoriais se transforma, assim, em uma estratégia comercial baseada na desinformação.


💸 O mercado da insegurança editorial

Autoras e autores iniciantes são naturalmente vulneráveis: têm dúvidas, sonhos, ansiedade, pouco acesso a informação técnica. São o alvo ideal para conteúdos que prometem “abrir os olhos”, “revelar verdades escondidas” ou “te proteger de ciladas”.

Só que, na prática, muitas dessas falas não se propõem a educar — mas sim a criar desconfiança em tudo que é acessível, horizontal e fora dos grandes grupos editoriais.

Enquanto isso, editais públicos continuam negando autores por “falta de currículo”; grandes editoras sequer leem originais; e os poucos espaços disponíveis para estreantes seguem sendo justamente as editoras pequenas, que agora são tratadas como o perigo da vez.

A quem interessa esse discurso?


🧱 Atacar as pequenas é reforçar a lógica do privilégio

O mais perverso nessa estratégia é que ela não atinge os grandes grupos, que seguem operando com isenção e capital. Ela atinge justamente quem criou modelos alternativos para viabilizar livros sem precisar de favores, agentes ou apadrinhamentos.

Atacar quem faz pré-venda, crowdfunding, impressão sob demanda ou contrato solidário é ignorar que esses formatos surgiram por necessidade — e não por ganância. São formas legítimas de sustentabilidade editorial, não armadilhas.

Mas, ao pintar tudo como “armadilha”, o discurso convence o autor iniciante de que a única saída segura é comprar algo — de quem está gritando.


📌 Conclusão: o mercado é feito de escolhas — e nem todas são honestas

Não é errado vender cursos, nem oferecer mentorias. O problema está no uso da crítica como isca. No uso da autoridade para criar pânico. No uso da palavra “trapaça” para gerar conversão.

Transformar o medo em produto é uma estratégia antiga. Mas continua sendo uma estratégia baixa.
Especialmente quando se faz isso às custas de quem mais luta para manter a bibliodiversidade viva.

Enquanto alguns fazem barulho para vender soluções, outros trabalham silenciosamente para publicar livros de verdade, de gente de verdade, com estrutura mínima e entrega máxima.
E esses, sim, merecem ser ouvidos — e lidos.


Jéssica Iancoski

Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *