“UMA MULHER SÓ NÃO FAZ VERÃO”: COLETIVIDADE, ANIMALIDADE E ENFRENTAMENTO MARCAM A ESTREIA NA POESIA DE DANIELA REZENDE

Com publicação pela Editora Urutau, Uma Mulher Só Não Faz Verão aborda temáticas urgentes, como os efeitos da violência contra a mulher na percepção de si, propondo um processo de subjetivação

A partir da narrativa de uma mulher fraturada, os poemas de Uma Mulher Só Não Faz Verão (Editora Urutau, 2022), estreia da poeta e arte-educadora Daniela Rezende, trazem uma voz que, em dor, parece se confessar ao leitor em sua maior intimidade. São temas como o trauma, a violência doméstica, a cultura do estupro, o medo e o desejo da personagem em relação aos homens que figuram o livro, num exercício de expurgo e transformação da dor a partir da escrita e da coletividade entre mulheres. 

Na poesia de Uma Mulher Só Não Faz Verão, Rezende traz a estrutura da opressão – e o corpo feminino – sob outras perspectivas, destacando-se principalmente as analogias com animais. No livro, animal e humano são tratados como um mesmo referencial, aparecendo em alguns momentos de maneira provocativa, propondo um tensionamento. Isto se vê, por exemplo, no título do livro, que brinca com o provérbio popular “uma andorinha só não faz verão”.


Além da animalidade, a autora também propõe uma reescrita das narrativas femininas, sejam elas pessoais ou externas ao eu-lírico, trazendo personagens como mães, avós, amigas e, até mesmo, vítimas de casos noticiados de violência contra a mulher. É a partir de uma escrita sensível, que reapropria e tensiona o senso-comum, que Rezende coloca em pauta o corpo da mulher tanto enquanto tecido coletivo quanto como protagonista de sua própria história.

Uma Mulher Só Não Faz Verão tem a orelha assinada pela poeta goiana Dheyne de Souza e o prefácio assinado pela poeta paulistana Fernanda Comenda, ambas colegas de turma da autora no Curso Livre de Preparação ao Escritor (CLIPE) – Poesia da Casa das Rosas em 2021. Segundo Rezende, o curso foi fundamental para desenvolver o projeto poético do livro, tendo sido uma experiência relevante à Uma Mulher Só Não Faz Verão tanto em termos de criação literária quanto pelo diálogo com outras mulheres escritoras.

O projeto gráfico de Uma Mulher Só Não Faz Verão segue o padrão da Editora Urutau e tem arte de capa de Victor H. Azevedo, inspirado na fotografia do artista Oladimeji Odunsi, que apresenta uma mulher negra em tons de roxo e lilás. 

Confira um trecho do livro:

“mulher em pele de cordeiro
mulher que ladra não morde
mulher dada não se olha os dentes
em boca fechada não entra mulher
não se cutuca mulher com vara curta
uma mulher sozinha não faz verão
mais vale uma mulher na mão do que duas voando
mulher escaldada tem medo de água fria
quando uma mulher fala a outra abaixa a orelha
quem se mistura com mulheres, farelo come
de grão em grão, a mulher enche o papo
filha de mulher, mulherzinha é

pode ir tirando a mulherzinha da chuva”

  • “Animalium”, poema do livro Uma Mulher Só Não Faz Verão

Sobre a autora

Daniela Rezende é paulistana, escritora e artista educadora, com graduação em História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e mestrado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). É autora do livro de poemas Uma Mulher Só Não Faz Verão (Editora Urutau, 2022). Tem textos publicados em zines, antologias e revistas virtuais, como a Aboio e a Zine Felisberta, além de ter tido um videopoema apresentado no 4º Concurso de Videopoesia da Desvairada (2020). Foi aluna do Curso Livre de Preparação ao Escritor (CLIPE) – Poesia, da Casa das Rosas, em 2021.

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