Coletivo Toma Aí Um Poema lança antologia poética voltada para autoria neurodivergente com a participação de 43 poetas neurodivergentes.
Neurodiversidade é foco do novo volume da coletânea de poemas, organizada e lançada pelo coletivo Toma Aí Um Poema como parte da “CEMana de 22”, projeto que tem como objetivo, 100 anos depois da Semana de Arte Moderna, organizar, mapear e registrar a produção contemporânea de poesia. O volume, voltado para escritores e escritoras neurodivergentes, conta com a participação das poetas convidadas Milena Martins Moura e Carla Diacov. O material completo pode ser acessado e lido no site oficial do CEMana de 22.
O coletivo traz neurodiversidade como um conceito que desconstrói a ideia de que indivíduos com funcionamento neurocognitivo diverso sejam caracterizados como portadores de transtornos ou pessoas doentes. “A abordagem sobre a neurodiversidade argumenta que as diversas condições neurológicas são resultado de variações normais no genoma humano e que, ao invés de serem ‘curadas’, devem ser compreendidas em suas diferenças, já que representam formas de diversidade humana”, frisa Jéssica Iancoski, editora do Toma Aí Um Poema. “Portanto, neurodivergentes são os indivíduos que possuem uma configuração neurológica diferente daquilo que a sociedade considera o padrão.”
“O tema é relevante porque fala da pluralidade humana e precisamos compreender que exigir que todas as pessoas sejam iguais, tenham as mesmas características e se comportem de forma parecida é um meio de negar a biodiversidade humana e causar sofrimento para a nossa espécie. Precisamos, urgentemente, compreender que somos múltiplos de corpo, de mente e de alma. Com essa antologia, desejamos que as diferenças possam ser aceitas sem estigmatização”, aponta a editora Jéssica Iancoski.
“Todos deveríamos compreender que a neurodiversidade é algo tácito no ser humano. Cada um de nós, apresenta as suas idiossincrasias, do ponto de vista neuropsicológico. Segundo dados recentes da Organização Mundial da Saúde, cerca de um bilhão de pessoas sofrem de psicopatologia. Existindo empatia, conhecimento e noção de bem comum, o que importa é que a sociedade se mobilize, no intuito da promoção da harmonia, onde a diferença seja vista como uma oportunidade para a cimentação de um ambiente inclusivo”, acrescenta Leandro Emanuel Pereira, poeta, psicólogo e membro do coletivo Toma Aí Um Poema.
“Sempre estivemos aqui. Só não estamos mais em silêncio.”
Poeta, editora e tradutora carioca Milena Martins Moura se identifica como uma mulher adulta autista leve, “tardiamente diagnosticada e ainda em processo para ser laudada”, nas palavras dela. Sua luta é mostrar que o autor neurodivergente não tem obrigação de escrever apenas sobre seu transtorno ou condição. “O neurodivergente é sujeito complexo que pode abordar todos os aspectos de sua vivência como ser humano. Cobrar esse posicionamento o tempo inteiro é limitar o sujeito a apenas uma parcela de sua identidade”, afirma. Por outro lado, ela afirma que autores neurodivergentes estão cada vez mais abordando essas temáticas, posicionando-se como sujeitos sociais e cobrando ser ouvidos. “O livro de um escritor neurodivergente não tem a obrigação de falar sobre neurodiversidade. Mas esse autor, quando se pronuncia, merece ser ouvido, dentro ou fora de sua obra”, sublinha. “Sempre estivemos aqui. Só não estamos mais em silêncio.”
Para a escritora e poeta paulista Carla Diacov, a neurodivergência é pouco pautada e não só no meio literário. “Individualmente, o neurodivergente terá obstáculos no meio literário como já tem dificuldades em outros meios. Multidão, excesso de barulho ou de informações, dislexia quando das leituras e escrita, crises de medo, de euforia, ansiedade, etc”, aponta. “Passamos por uma pandemia que foi minimizada pelo presidente da nação. Ninguém está totalmente bem e mesmo antes de toda essa tragédia, a neurodivergência não é exatamente uma condição aparente. Enfrentaremos os obstáculos que permeiam nossas diferenças.” Carla não possui um diagnóstico fechado, mas suspeita fortemente de grau de autismo. “Minha resposta aos acontecimentos comuns da vida são dolorosamente atípicos. Sou agorafóbica e tenho ataques de ansiedade desde a infância e, sem saber o que acontecia, meus pais nunca procuraram tratamento. Hoje trato, entre possibilidades e confirmações, uma profunda depressão, TOC, um provável TDAH, episódios de ansiedade severa (alterando inclusive os níveis de cortisol e adrenalina no meu corpo), mudanças bruscas de humor e a agorafobia”, expõe.
“A neurodivergência é uma pauta muito nova, inclusive para os neurodivergentes. Afora os incômodos sociais que, por exemplo, uma agorafóbica como eu deverá vivenciar (e sofrer com isso), não vejo muito impedimento para a pessoa neurodivergente se dedicar à escrita”, ressalta Carla. “Escrever é um ato solitário, muitas vezes contemplativo, suave, quando suave, melancólico, quando melancólico, catártico, quando catártico, mas sobretudo solitário. Então a escrita é um caminho amigo da neurodivergência, até como ferramenta terapêutica, em alguns casos, como um cuidado de autoconhecimento também. Na literatura, especialmente na poesia, a diversidade (de todo e qualquer fundo) é mais que bem-vinda, é essencial.”
Literatura livre, inclusiva e gratuita para todos
O Toma Aí Um Poema é um coletivo preocupado com a inserção de autores e autoras independentes em novos espaços de divulgação e promoção de literatura. É um projeto social de acolhimento, de incentivo e de desenvolvimento da escrita e da leitura. É uma potente publicadora de material literário em múltiplas mídias: podcast (o maior de literatura falada no Brasil, com mais de 70 mil ouvintes somente no Spotify), revista, livros físicos e digitais e redes sociais.
O objetivo é publicar o máximo possível de poesia, incluindo minorias, e fazer circular novos pontos de vista dentro da literatura brasileira, também auxiliando e fornecendo informações para autores independentes sobre o mercado editorial brasileiro. “Queremos contribuir e estimular a literatura gratuita e livre para todos”, frisa a editora Jéssica Iancoski. “Neste ano estamos incentivando a emancipação dos autores, em relação às editoras prestadoras de serviço. Acreditamos em um mercado editorial mais justo e sem exploração.”