Durante muito tempo, a publicação de um livro foi tratada como privilégio reservado a poucos — um rito de passagem validado por olhares externos, prêmios, endossos, indicações. Como se escrever fosse apenas uma meta estética e comercial, e não, antes de tudo, um gesto humano profundo e legítimo.

Eu acredito — e atuo todos os dias com base nisso — que toda pessoa que deseja publicar um livro deve ter o direito de fazê-lo. Não porque todos os livros serão best-sellers ou obras-primas, mas porque toda história tem valor, toda voz tem potência, e escrever é um direito, não um luxo.

Na minha trajetória como escritora, editora e fundadora da Toma Aí Um Poema — a primeira editora-ONG do Brasil — conheci centenas de pessoas que nunca se imaginaram como autoras. Gente que escreveu em cadernos escondidos, em blocos de notas digitais, em guardanapos; gente que nunca viu seus temas retratados nas estantes de livrarias, e por isso achou que o livro era “coisa de outro mundo”.

Mas não é. O livro também é coisa nossa. É da quebrada, da beirada, da infância periférica, da mulher lésbica que escreve sobre seus afetos, do idoso que reconstrói a memória no papel, do adolescente que transforma a raiva em poesia, da mãe solo, da professora cansada, da travesti que performa sua existência com palavras. O livro é território de expressão e pertencimento.

E é por isso que defendo com tanta força a publicação como ato político e afetivo. Democratizar o acesso à edição e à distribuição de livros não é baixar a régua — é devolver ao livro seu valor original: ser um abrigo de pensamentos, uma partilha de mundos, uma possibilidade de permanência.

Na Toma Aí Um Poema, escolhemos publicar gente comum, marginal, extraordinária à sua maneira. São mais de mil estreias autorais viabilizadas, muitas delas por financiamento coletivo, por redes de afeto, por desejo e coragem.

Publicar não precisa ser burocrático. Nem inatingível. Publicar pode ser simples, leve, acessível. Pode — e deve — ser para todes.

Se alguém escreve, é porque precisa dizer algo. Se esse algo pode tocar, transformar, consolar ou questionar outra pessoa, então já vale a pena existir em forma de livro. Mesmo que circule entre dez leitores. Mesmo que comece pequeno. Mesmo que seja o primeiro.

Porque toda vez que alguém se reconhece como autor, o mundo se expande.

E eu sigo aqui, dia após dia, com esse compromisso: fazer com que cada vez mais pessoas possam escrever, publicar e existir — também — na forma de livro.

Jéssica Iancoski

Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.