Não comecei com investimento, nem com um plano de negócios pronto. Não tinha editora, nem equipe, nem capital inicial. O que eu tinha era uma urgência: fazer da literatura um espaço acessível, real e possível para quem sempre foi empurrado para fora dela. Foi assim que nasceu a Toma Aí Um Poema (TAUP) — uma ideia atravessada pela precariedade, mas movida por uma certeza: livro não é luxo. É direito.
Na época, eu já escrevia, diagramava, revisava. Mas não encontrava editoras que acolhessem autores como eu — periféricos, múltiplos, inclassificáveis. Então, como muitos, decidi fazer o caminho sozinha. Só que, ao invés de criar uma editora para mim, resolvi criar uma estrutura para muitas outras vozes também.
Comecei com zero reais. A primeira campanha de pré-venda foi feita com base na confiança, na força da rede e em um convite sincero: “Vamos fazer isso juntos?” E o que era para ser um projeto pequeno, virou movimento.

📚 De uma ideia informal à primeira editora-ONG do Brasil
A TAUP nasceu em 2020, no meio do caos da pandemia, sem CNPJ, sem patrocínio, sem garantias. Mas com visão clara de propósito: publicar autoras e autores de grupos historicamente silenciados — mulheres, LGBTQIA+, pessoas negras, indígenas, neurodivergentes, PCDs e autores iniciantes.
O modelo era simples, mas potente: campanhas de pré-venda acessíveis, com total transparência dos custos, cuidado editorial em todas as etapas (mesmo com pouco recurso), escuta ativa e uma rede de leitores dispostos a apoiar não só o livro, mas o sonho de quem escrevia.
Com o tempo, formalizamos a estrutura como uma ONG no setor cultural. Isso nos permitiu participar de editais públicos, criar formações gratuitas, publicar centenas de autores com fomento coletivo e estabelecer um modelo inédito no Brasil: uma editora comprometida com impacto social — não apenas com números de venda.
📈 O que alcançamos até aqui (sem deixar ninguém para trás)
Hoje, com menos de cinco anos de existência, a TAUP:
- Publicou mais de 1.000 autoras e autores;
- Arrecadou quase R$ 1 milhão por financiamento coletivo, com campanhas que financiaram livros, distribuição gratuita e ações comunitárias;
- Criou e compartilhou mais de 1.600 poemas em áudio, disponíveis gratuitamente em plataformas como Spotify, YouTube e Instagram;
- Levou seu catálogo para eventos nacionais como a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty);
- Ofereceu oficinas, cursos, prêmios e chamadas abertas acessíveis para autores de todo o Brasil.
Tudo isso sem aporte de grandes editoras, sem patrocínio fixo e sem abrir mão dos nossos valores. Cada livro publicado com a TAUP é um pequeno milagre coletivo — e um gesto de confiança mútua entre autor, editora e leitor.
🤝 O que eu aprendi (e ainda aprendo)
Criar uma editora com R$0 me ensinou que não ter dinheiro não é o mesmo que não ter estrutura. Estrutura também é escuta, rede, afeto, compartilhamento de saberes e coragem para fazer diferente. O que nos sustentou não foi um investimento externo — foi a potência interna de acreditar que a literatura pode ser ferramenta de inclusão, não de exclusão.
Aprendi que a horizontalidade pode ser mais eficiente do que qualquer organograma. Que o afeto não é amadorismo. Que a clareza de propósito nos protege de atalhos. E que é possível, sim, transformar um projeto cultural em ação social — mesmo fora das vitrines, mesmo contra as estatísticas.
📌 Conclusão: é possível, e não estamos sozinhas
A TAUP nasceu com zero reais, mas com tudo o que importa: sentido, urgência, comunidade. Hoje, seguimos crescendo — não para nos tornarmos uma editora como as outras, mas para provar que um outro modelo editorial é possível, sustentável e necessário.
Se você está sonhando em começar algo parecido, mesmo sem recurso: comece. A sua ideia pode ser a fresta que alguém precisa para entrar. E se quiser caminhar com a gente, já sabe: toma aí um poema.
Jéssica Iancoski
Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.