A dor depois do livro: o luto de revisitar a própria obra

Imagem de HeungSoon por Pixabay
Imagem de HeungSoon por Pixabay

Ninguém fala sobre isso na faculdade, nas oficinas, nas lives sobre “como publicar seu livro”: o momento em que o livro está pronto — impresso, lançado, elogiado — e mesmo assim, o autor entra em crise. Uma crise estranha, íntima, silenciosa. Porque ao contrário do que se pensa, terminar um livro não é só um alívio. É também uma perda. Um tipo de luto.

Em um grupo de autores no whats, esse sentimento apareceu com força. Alguns chamaram de “impulso destrutivo”. Outros, de “vontade de desescrever tudo”. E todos concordaram: revisitar a própria obra, depois que ela está pronta, pode ser doloroso.

O vazio depois do fim

Finalizar um livro é como fechar um ciclo. Mas o problema é que, muitas vezes, a gente se acostuma com o processo, e não com o fim. Passamos meses — às vezes anos — escrevendo, editando, revisando, pensando na capa, na ordem dos poemas, na dedicatória. De repente, tudo isso acaba. E o silêncio que vem depois pode ser ensurdecedor.

“Eu relia meus poemas como se fosse uma versão passada de mim tentando me envergonhar”, escreveu um autor no grupo.

É que o texto, uma vez publicado, vira registro de uma versão anterior de quem escreve. E essa versão, como toda versão antiga, pode parecer ingênua, crua, mal resolvida. O problema é que agora ela está ali: impressa, pública, visível. E o autor — que já mudou — se vê diante de um espelho retrovisor.

A armadilha da autocrítica

Todo escritor é, em alguma medida, seu próprio carrasco. Mas há uma linha tênue entre o desejo legítimo de aprimorar o texto e o impulso destrutivo de invalidá-lo. Muitos autores relataram, após o lançamento, a vontade de reescrever tudo. Cortar. Esconder. Negar.

Mas é preciso lembrar: a obra é um retrato — não do ideal — mas do momento. Ela registra não só a linguagem que você tinha, mas a coragem, o medo, o afeto, o cansaço. E isso também é literatura.

Aceitar a imperfeição de um livro pronto é aceitar a própria humanidade. É entender que escrever também é deixar ir.

Lançar dói. E ninguém avisa.

O dia do lançamento costuma ser imaginado como uma celebração. Mas muitos poetas relatam que é também um dia de angústia: é quando o livro deixa de ser só seu. E o medo de julgamento, de rejeição ou de má interpretação aparece com tudo.

Além disso, a exposição pública da sua vulnerabilidade poética pode ser exaustiva. E o que era sonho vira cobrança: e agora, quantos exemplares vendeu? E os stories? E a próxima obra?

O que fazer com esse luto?

  1. Se permita sentir. Reconhecer que há tristeza depois da entrega é o primeiro passo para lidar com ela.
  2. Evite reler logo após o lançamento. Dê um tempo. Esfrie o olhar.
  3. Converse com outros autores. Você vai perceber que esse sentimento é mais comum do que imagina.
  4. Não censure sua obra publicada. Honre quem você era quando escreveu. Foi aquela versão sua que teve coragem.
  5. Escreva sobre isso. Sim, o luto pode virar matéria-prima. E talvez o próximo livro nasça justamente daí.

Conclusão

Publicar um livro é um ato de vida — mas também de perda. A gente perde o controle sobre o texto, sobre a imagem que fazem de nós, e sobre a narrativa que escrevemos pra nós mesmos. E tudo bem. Porque perder também é amadurecer. E talvez esse luto que vem depois do livro seja só o intervalo antes da próxima história começar.

Se você sente isso, não se assuste: você não está fracassando. Está só sentindo o que escritores de verdade sentem quando tiram a alma da gaveta e a colocam no mundo.

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