
Em Soneto, Marcos Roberto dos Santos Amaral revitaliza uma das formas mais antigas da poesia ocidental para produzir algo inteiramente novo. O livro propõe, desde o título, uma tensão entre tradição e ruptura: o soneto clássico, com sua métrica e musicalidade, é reconfigurado, distorcido, reinventado em meio ao ruído do mundo atual.
Os poemas transitam entre o lirismo e a crítica social, misturando erudição e ironia, linguagem de redes e referências literárias. Há versos que evocam a herança de Dante, Goethe, Camões e Drummond, mas sob a lente de um eu lírico que habita um Brasil atravessado por crises políticas, tecnológicas e existenciais. Em “Má educação financeira”, por exemplo, o poeta transforma o drama econômico em sátira mordaz; em “Profissão de fé”, a religiosidade é revisitada com ceticismo e humor ácido; já em “A paixão de uma pessoa física”, o burocrático e o humano colidem com força poética.
O experimentalismo formal é uma das marcas mais evidentes do livro. Amaral brinca com a disposição gráfica, a quebra da métrica, o uso de neologismos, símbolos e interpolações visuais. Cada poema é um campo de tensão entre sentido e ruído, entre a fala poética e a fala social. Essa fragmentação lembra o concretismo e a poesia marginal, mas com uma energia anárquica própria de quem entende o caos como motor criativo.
A leitura do livro é acompanhada por um posfácio de Lê Anderson, que destaca a “simbiose cáustica” da linguagem de Marcos — uma poesia que “lacera os sentidos criando uma variedade onde sonetos se transformam em concretude, em gírias, em tabelas, em gritos”. Anderson aponta que a obra “explode, destrói, reformula” a forma fixa, e essa observação sintetiza bem o gesto central do autor: tensionar o próprio ato de escrever.
O resultado é uma coletânea vertiginosa, em que o soneto deixa de ser apenas uma forma poética para se tornar um estado de linguagem; uma tentativa de dar forma à desordem, de resgatar beleza no excesso. Soneto é uma experiência radical, que desafia a compreensão linear e convida o leitor a se perder nas frestas do verbo.