Poema de Julie Dorrico – Vô Madeira.
Julie Dorrico é macuxi. Doutoranda em Teoria da Literatura na PUCRS. Autora de “Eu sou macuxi e outras histórias” (Caos e Letras, 2019). 1º Lugar no concurso FNLIJ/Tamoios de novos escritores indígenas. Tem contribuído imensamente para a divulgação da literatura indígena brasileira através de Lives com autores e artistas indígenas nas redes sociais e da rede de difusão Leia Mulheres Indígenas, do qual é integrante.
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Julie Dorrico – Vô Madeira
O vô correu correu
Com as piranhas e os botos,
Com as jatuaranas e os tambaquis,
Com as cobras e os jacarés,
Com todas as gentes não-humanas do rio;
O vô era um encantado
E por vezes trocava de pele pra ver como andava o mundo
Às vezes vinha de gente, outras de mangueira, algumas vezes perdida, de jaguatirica;
Um dia, num de seus passeios, o vô viu alguns de seus netos em cima de dragas no meio do rio:
Bêbados!
Jogando prato, prata, pano, plástico
Parem.
O vô chorou.
O dinheiro é o veneno da alma.
O vô achou que ia parar
Ouro, correntes, pulseirinhas, anéis, casamentos, filhos, netos, bisnetos, tataranetos,
Sem água.
O vô podia ser eterno
Mas fez a travessia jovem.
Só que ninguém sabia que quando ele se fosse
Todas as gentes iam também.
E foi assim que nós desaparecemos.
Feito fome
Feito sede
Feito noite
Feito morte.
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Poema: Vô Madeira
Poeta: Julie Dorrico
Voz: Jéssica Iancoski | @euiancoski
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