Escrever quando a voz se cala
Eu tenho certeza que a vida é uma velha senhora com voz de algodão.
Na semana passada, por motivos de acaso ou destino, me chegou a indicação do livro Tudo o que eu sempre quis dizer, mas só consegui escrevendo, da Maria Ribeiro.
Isso aconteceu de uma forma tão sutil que não lembro de onde veio – ela apenas chegou. Comprei o livro online num impulso e, quando o peguei nas mãos, foi como rebobinar uma fita cassete: a memória voltou inteira. Lembrei de uma frase que por alguns anos fez parte da minha vida: tem coisas que só saem da gente por escrito.

Entre 2018 e 2020, eu escrevia tudo aquilo que a voz não conseguia dizer. Foram três anos e alguns lutos: uma separação, o luto que escondi atrás da cortina já que não podia viver a perda do meu pai, minha mãe se despedindo da vida de forma lenta e dolorosa, a pandemia. Eu não conseguia falar sobre tudo aquilo, então desafogava em um caderno. Depois de regá-lo com palavras e muita água salgada, escrevia um poema.
O que muita gente não sabe é que a maioria dos poemas do capítulo Aquecer do meu livro Tudo Que Queima foram escritos nessa fase. Era como se o papel me ouvisse e depois me reconfortasse: esses poemas eram um lembrete pra mim mesma, desejos para a futura-eu, vislumbres de uma vida possível.

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Nessa época, meus sonhos pareciam aquela peça de decoração que não combina com lugar algum da casa, que a gente deixa guardada em um armário e, vez ou outra, tenta colocar em um cantinho especial, mas não, não fica bom.
Com a escrita, eu descobri que para que coubessem, era preciso mudar toda a decoração, queimar os velhos mapas e derrubar algumas das minhas paredes. Foi escrevendo que comecei a desenhar os novos mapas, as novas rotas, e hoje posso dizer que vivos das palavras — não só das minhas. Trabalho como uma espécie de doula de livros prestes a nascer. Também ofereço os serviços de leitura crítica, edição assistida, oficinas e mentorias de escrita.
Estou construindo uma nova casa em que as paredes são feitas de livros.
Agradeço à Maria Ribeiro que veio essa semana para me lembrar: tem coisas que só saem da gente por escrito.
Para continuar escrevendo
Que tal escrever sobre aquilo que sua voz ainda não consegue dizer?
Pegue um caderno, uma folha solta, ou mesmo o bloco de notas do celular. Deixe as palavras escorrerem sem censura, como se o coração respirasse.
—…
Sem censura mesmo.
— …
Ninguém vai ler.
— …
Eu juro!
Depois de escrever, transforme esse desabafo em um pequeno texto ou poema. Ou faça o contrário: escreva algo como alguém que te abraça e te faz lembrar que a vida é possível.
O que estou lendo

Tudo o que eu sempre quis dizer, mas só consegui escrevendo, de Maria Ribeiro, é um livro que mistura crônicas, memórias e confissões sobre o que não conseguimos falar, mas que, por escrito, encontra espaço para existir.
Por (entre)linhas dessa semana fica por aqui. Espero que você siga desenhando seus próprios mapas, encontre seu lugar e continue escrevendo, mesmo quando a voz se silenciar. Nos vemos na próxima.
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Todo texto precisa de um olhar externo, pois o autor, inevitavelmente, se acostuma com suas próprias palavras. O que muitas vezes funciona perfeitamente na cabeça de quem escreve pode não ter o mesmo efeito para quem lê. Esta edição da Por (entre)linhas foi editada por Guilherme Eisfeld, com quem há 3 anos compartilho textos e afetos.
Mabelly Venson é uma matemática que se apaixonou pela escrita. É parteira de livros na Editora Toma Aí Um Poema e autora de “Tudo Que Queima”, “apenas mãe” e “GELO”, obras que focam nas complexidades do ser mulher.