Resenha crítica — In(-)versos do meu verso, de Rita Alencar Clark

Em In(-)versos do meu verso, Rita Alencar Clark estreia com uma escrita que pulsa entre a delicadeza lírica e a fúria visceral. Trata-se de uma poesia que se sabe corpo, memória e ferida — uma escrita que transborda como quem se pare em verso. O livro é tanto autobiografia emocional quanto crônica poética das dores e delícias de ser mulher, filha, amante, mãe e sobrevivente — no corpo e na linguagem.

In(-)versos do meu verso, de Rita Alencar Clark
In(-)versos do meu verso, de Rita Alencar Clark

🌊 Corpo, desejo e ancestralidade

Logo na introdução, a autora nos conduz por uma narrativa de perdas e reencontros — o manuscrito original do livro ficou anos desaparecido após ser entregue a seu pai, o poeta amazonense Alencar e Silva​. Este gesto já carrega um símbolo poderoso: a filha que recolhe a palavra, refaz o caminho e (re)nasce com ela.

Rita escreve com o corpo. Os poemas são cheios de carne, prazer, dor e renascimento. Em Parir-se (p. 75), a metáfora da gravidez de si mesma encarna uma escrita que se entende como autogestação:

“Estou grávida de mim mesma […] Parto difícil esse de parir a si mesma!”

A maternidade é tema recorrente — ora como memória afetuosa, ora como desafio cotidiano. Em Victoria e Flor de Setembro, homenageia suas filhas com ternura e luz. Já em Poética, declara:

“Faço versos / no meu corpo, ondulando / curvas, palavras, carnes” (p. 73)


🔥 Erotismo e resistência

O erotismo, aqui, não é concessão ao prazer pelo prazer, mas ato de insurgência, como em Na calada da noite (p. 21) e Sedução (p. 26). Rita escreve o desejo com voz própria — feminina, libertária, lúcida.

“Quero ser e não sou, mas que serei. / E tentarei, ou não, seduzi-lo.” (Sedução, p. 26)

Esses versos reivindicam o corpo como território de decisão, não de submissão. São poemas que contestam o silenciamento histórico das vozes femininas e dos corpos marginalizados, inclusive com crítica direta à violência de gênero e à opressão estrutural, como em Há tanto o que se falar (p. 88) e Acordem o silêncio (p. 29).


🎭 Intertextualidade e reverência

A poeta também se inscreve numa linhagem literária consciente. Em Pequena prosa ao amor (p. 22), dialoga com A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. Em Tens os olhos guardados em mim (p. 48), homenageia o pai e revisita, com emoção e sofisticação, imagens do poema Por entre as faces de um poliedro, de Alencar e Silva. A presença de Fernando Pessoa também se faz sentir em Lendo Fernando Pessoa (p. 46), onde o poeta português é convocado como espelho para a dor e a ausência.

Essa intertextualidade, no entanto, não é adorno ou reverência vazia — ela serve ao diálogo afetivo com o passado, com os mestres e com as vozes que ensinaram Rita a transformar o silêncio em palavra.


🌍 Do íntimo ao coletivo

Mesmo quando se detém no plano íntimo, a poesia de Rita é profundamente política. Em Uma lágrima pelas crianças da Síria (p. 68), a poeta universaliza sua dor e se solidariza com o sofrimento global, buscando na empatia e na denúncia poética uma forma de resistência ao horror:

“Sonho é palavra que não se ousa falar, / o mundo dos bárbaros não gosta dela.”

A mesma consciência social aparece em poemas como José (João, Pedro ou aquele sem nome da esquina) (p. 39), que atualiza o clássico de Drummond com compaixão e urgência.


🌹 Considerações finais

In(-)versos do meu verso é um livro que atravessa e permanece. Rita Alencar Clark se apresenta ao mundo literário com uma voz madura, generosa e inquieta. Sua poesia habita os extremos — do delírio ao pranto, da sensualidade ao grito político — e nos lembra de que verso é verbo vivo, e que escrever é também um modo de sobreviver e de se reinventar.


📘 Ficha técnica

  • Título: In(-)versos do meu verso
  • Autora: Rita Alencar Clark
  • Editora: Toma Aí Um Poema (TAUP)
  • Ano: 2024
  • Páginas: 100
  • ISBN: 978-65-83046-02-4
  • Projeto gráfico: Jéssica Iancoski
  • Ilustrações: Miguel Clark
  • Revisão: Thaís Geraldi

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