Resenha crítica — Crônicas de uma Falsa Burguesa, de Thereza Monteleone

Thereza Monteleone estreia na literatura como quem entra em cena num teatro lotado: com ironia afiada, coragem emocional e o carisma de quem já viveu o suficiente para rir do próprio drama. Em Crônicas de uma Falsa Burguesa, a autora conduz o leitor por uma série de relatos curtos, mas intensos, que transitam entre o trágico e o hilário — tudo permeado por um olhar ácido sobre as contradições da classe média carioca.

Crônicas de uma Falsa Burguesa, de Thereza Monteleone
Crônicas de uma Falsa Burguesa, de Thereza Monteleone

🎭 Um riso que arranha

A força do livro está na sua capacidade de fazer rir e pensar ao mesmo tempo. As crônicas revelam uma escritora com timing de stand-up e sensibilidade de memorialista. Há algo de Rubem Braga em sua atenção ao cotidiano e algo de Tati Bernardi em sua coragem de rir do próprio caos. O título já entrega: Monteleone não se coloca como burguesa legítima — mas como alguém que habita essa interseção entre privilégio e desconforto, entre o verniz social e a ferida que lateja sob a maquiagem.

Em textos como Cachos da discórdia, Quarto de empregada e Maternidade zero, a autora desmonta mitos de feminilidade, maternidade e branquitude com um humor que nunca é gratuito — sempre há ali uma crítica velada ou uma reflexão existencial. Ela escreve como quem se incomoda, e transforma o incômodo em palavra.


🏡 O Rio de Janeiro como personagem

A ambientação do livro é profundamente carioca: Ipanema, Caju, Copacabana, a Central do Brasil — todos esses lugares são mais que cenários; são personagens simbólicos que reforçam os contrastes da cidade partida. Em Morada de veraneio, por exemplo, Monteleone ironiza a tradição familiar de possuir imóveis em áreas “nobres”, revelando que sua “casa de praia” é, na verdade, um jazigo perpétuo em um cemitério.

“Quer passar uns dias lá com a minha exótica família? Vende-se uma morada de veraneio.” (p. 37)

Esse humor mórbido atravessa várias crônicas e revela uma autora sem medo de tocar em temas como luto, decadência e contradições familiares, sempre com uma escrita vibrante.


🧵 Voz feminina, urbana e crítica

O livro se destaca por uma escrita com voz feminina madura, que confronta expectativas tradicionais impostas às mulheres. Em Maternidade zero, por exemplo, a autora questiona o culto à maternidade tardia e o moralismo sobre a escolha de não ter filhos:

“Maternidade deveria ser sinônimo de responsabilidade. E é para sempre, até que a morte nos separe.” (p. 28)

Há uma recorrente crítica social atravessando o texto — sobre racismo estrutural, machismo cotidiano e desigualdade. Mas Monteleone evita o panfleto: sua crítica vem embalada em sarcasmo, metáforas criativas e autodepreciação inteligente. Sua escrita remete à tradição das cronistas-jornalistas brasileiras (como Danuza Leão e Martha Medeiros), mas com o frescor de quem não tem medo de expor fragilidades.


✨ Um estilo que seduz e surpreende

Formada em jornalismo, Thereza Monteleone escreve com leveza e fluidez, mas sem abrir mão da densidade temática. O texto é ritmado, oralizado, quase como se estivéssemos ouvindo uma amiga desabafar no café — mas com a precisão de quem domina o humor literário. Há também uma honestidade emocional admirável: a autora fala de perdas, câncer, desigualdade, medo e fracasso com a mesma liberdade com que narra festas, viagens e pequenas futilidades.

E mesmo nos momentos de denúncia, o tom permanece cômico — como em Eles sabem que é Natal?, onde critica a desigualdade social durante as festividades natalinas:

“Sendo que Jesus, nos dias atuais, certamente viria à terra em alguma comunidade carente ou num acampamento de refugiados e não num hospital seis estrelas.” (p. 44)


✅ Conclusão

Crônicas de uma Falsa Burguesa é um livro divertido, ácido, autobiográfico e, acima de tudo, necessário para tempos em que rir da tragédia é forma de seguir vivendo. A autora transforma sua vivência pessoal em espelho social, fazendo da crônica um território de liberdade e contestação. É uma obra que toca, provoca e arranca gargalhadas desconcertantes.

Uma estreia promissora, que coloca Thereza Monteleone como uma nova voz da crônica contemporânea brasileira — e, sem dúvida, uma cronista que vale acompanhar.


📘 Ficha técnica

  • Título: Crônicas de uma Falsa Burguesa
  • Autora: Thereza Monteleone
  • Editora: Toma Aí Um Poema (TAUP)
  • Ano: 2024
  • Páginas: 110
  • ISBN: 978-65-83046-14-7
  • Revisão: Thereza Monteleone

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