Com uma voz que é, ao mesmo tempo, cotidiana e insurgente, Vinicius H. Ferreira estreia na poesia com um livro que desarma pela simplicidade e abala pela profundidade. Em Até que enfim, encontramos um poeta que recusa o lirismo descolado do real para, no lugar, mergulhar nas tensões entre afeto e política, memória e denúncia, delicadeza e resistência.

📌 A poesia como gesto de resistência cotidiana
Desde o primeiro poema — que questiona o valor da igualdade partindo da ideia de que “ninguém é menor” só quando se aceita que “ninguém é maior também” — o tom do livro está dado: é uma obra que interroga privilégios, desafia silêncios e oferece poesia como ferramenta de ruptura e cura.
Nos poemas mais curtos e incisivos, como Essa gente ou Ortografia, Vinicius revela o que há de opressivo no cotidiano, nos hábitos e nos preconceitos naturalizados:
“Eles e elas nunca têm acento.” (Ortografia, p. 46)
“A faxineira parou de vir / essa gente não quer mais trabalhar” (Essa gente, p. 31)
Essas pequenas crônicas poéticas funcionam como espelhos cortantes — denunciando, com ironia e firmeza, as estruturas sociais excludentes e o moralismo hipócrita.
💔 Corpo, luto e afeto: o íntimo como matéria política
Mas Até que enfim também é profundamente afetivo. O poeta fala como filho, como pai, como homem que cuida e se questiona. Em Eu, pai, ele escreve:
“Um pai não nasce / […] / Segurando uma mão pequena / […] / enquanto ainda tem medo de errar.” (p. 20)
Esse lirismo intimista é reforçado por poemas como Ligação e Pelúcia, onde a memória e o gesto cotidiano revelam o drama humano da ausência e da ternura, sem sentimentalismo excessivo. O luto aparece como experiência real e, muitas vezes, desconcertante — como em Mala sorte, onde o humor ácido revela a insensibilidade familiar diante da morte da mãe.
🌎 Poeta engajado, leitor do mundo
Vinicius também se revela um leitor engajado da história. Em Anos de chumbo e Xadrez, os poemas denunciam os mecanismos de repressão política e a condição de quem é peça descartável no tabuleiro do poder. Já em Confissão e O que está acontecendo?, o autor expõe o cansaço emocional de um tempo que fere e sobrecarrega.
E em momentos de puro respiro, o livro se abre para a influência de autores latino-americanos como Galeano, Benedetti e Fito Páez, evidenciando o quanto o autor está inserido em uma tradição afetiva e crítica da literatura do sul global:
“Que a utopia de Galeano nunca nos falte / […] / Que a nossa tática e estratégia se revistam de amor” (Eu desejo, p. 57)
🗣️ Uma poética de linguagem acessível e densa
Formalmente, Até que enfim não faz alarde. Os poemas são curtos, diretos, mas nunca rasos. Há musicalidade, ritmo e pausas pensadas — a linguagem se dobra entre o popular e o filosófico, o desabafo e o ensaio.
Vinicius opta por uma poesia que se aproxima do leitor sem infantilizá-lo. Sua escrita é clara, mas nunca simplista. Há espaço para dúvida, para riso, para incômodo.
📚 Considerações finais
Até que enfim é, como sugere o título, um livro que chega no tempo certo — não da espera passiva, mas da urgência do agora. Vinicius H. Ferreira escreve com os pés no chão e os olhos no horizonte, tocando temas como paternidade, desigualdade, política, luto e esperança com honestidade rara.
É uma obra para quem ainda acredita que a poesia pode ser, ao mesmo tempo, afeto e ferramenta, beleza e confronto.
📘 Ficha técnica
- Título: Até que enfim
- Autor: Vinicius H. Ferreira
- Editora: Toma Aí Um Poema (TAUP)
- Ano: 2024
- Páginas: 62
- ISBN: 978-65-6064-076-4
- Revisão: Vinicius H. Ferreira
- Capa: Jéssica Iancoski