
Todo mundo pergunta por que o brasileiro lê pouco.
Mas pouca gente se pergunta: quem ensina a gente a gostar de ler?
Gostar de ler não nasce do nada. Não é herança genética, nem talento reservado a alguns.
Gostar de ler é uma construção — e como toda construção, depende de afeto, acesso e espelho.
E aí está o problema: o sistema nos ensina a decodificar letras, a passar nas provas, a decorar regras gramaticais. Mas quase nunca nos ensina a sentir prazer com as palavras. A ler como quem viaja. Como quem descobre. Como quem se encontra.
Quem ensina a gente a gostar de ler?
Talvez uma professora que leu com paixão e não por obrigação.
Talvez um pai que inventava histórias na hora de dormir.
Talvez um livro achado no lixo, no ônibus, na biblioteca da escola, num sebo qualquer.
Talvez uma personagem que, pela primeira vez, se parecia com a gente.
Mas essas experiências ainda são exceção — quando deveriam ser regra.
Se o leitor não se forma, ele se frustra. E muitos acabam concluindo que “não gostam de ler” quando, na verdade, nunca foram apresentados a livros que falassem com eles, sobre eles, por eles.
Como gostar de ler se o que chega até você são livros que reforçam estereótipos?
Se a linguagem é distante, a trama é entediante e os personagens não se parecem com ninguém que você conhece?
Se os livros sempre falam de um mundo que não é o seu?
A formação leitora precisa de três pilares: afeto, identificação e liberdade.
A escola tem papel crucial, claro. Mas não adianta exigir leitura obrigatória se a escola não é também espaço de encantamento. Ler precisa ser mais do que tarefa — precisa ser descoberta.
As famílias também são importantes, mas em um país desigual como o nosso, nem toda casa tem livros, tempo ou estrutura para isso.
Por isso, a responsabilidade precisa ser compartilhada: escolas, bibliotecas, políticas públicas, editoras, autores. Todos temos um papel em formar leitores — e não apenas consumidores de conteúdo.
É preciso garantir que cada criança, cada jovem, cada adulto em processo de alfabetização afetiva, tenha contato com livros que o convidem, e não que o afastem.
Livros com outras estéticas, outras realidades, outras vozes.
Livros escritos por mulheres, negros, indígenas, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, pessoas de periferia.
Livros que sejam travessia, não bloqueio.
Convite, não imposição.
Porque no fim, quem ensina a gente a gostar de ler é quem acredita que a leitura pode ser casa. Pode ser corpo. Pode ser liberdade.
E esse é o tipo de aprendizado que ninguém esquece.
Jéssica Iancoski
Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.