
No Brasil, escrever é resistência. Publicar, então, é quase milagre. E ainda assim, milhares de autores seguem escrevendo seus livros, sozinhos, na marra, com coragem, paixão e nenhuma garantia de visibilidade. São os autores independentes — aqueles que não têm agente, editora tradicional, apoio institucional ou capital acumulado. Aqueles que escrevem porque precisam. Porque é o que sabem fazer para não adoecer.
Mas o que o Estado oferece a essas pessoas?
Pouco. Ou quase nada.
Apesar de representarem uma fatia expressiva da produção literária brasileira, os autores independentes seguem invisibilizados pelas políticas públicas. Editais, prêmios e programas de incentivo ainda são majoritariamente voltados a editoras formalizadas, projetos com CNPJ, estruturas jurídicas ou nomes já estabelecidos no mercado.
Enquanto isso, o escritor que publica do próprio bolso, por financiamento coletivo, por gráfica rápida ou em tiragem doméstica, fica à margem do reconhecimento, do apoio e da distribuição.
A questão não é só econômica — é simbólica. O recado que se passa é: você só será considerado autor de verdade quando uma instituição te validar. Quando alguém maior que você carimbar sua existência. Mas e os livros que nascem nas bordas? E as vozes que não cabem nas vitrines? E as literaturas de quebrada, de aldeia, de favela, de rua, de travesti, de mãe solo?
Quem cuida desses livros?
Na Toma Aí Um Poema, publicamos mais de mil autores independentes, muitos deles estreando na literatura. E o que vejo, dia após dia, é um país que escreve muito — mas que lê pouco dessas vozes porque elas não chegam aos leitores. Não porque faltam leitores, mas porque faltam canais, apoio, valorização e estrutura para circular essa produção.
É por isso que precisamos de políticas públicas que olhem para esses escritores. Que entendam que ser autor não pode ser privilégio. Que o apoio não deve ser dado só a quem já chegou, mas a quem está tentando entrar pela primeira vez.
Precisamos de:
• Editais específicos para autores estreantes ou independentes
• Linhas de fomento sem a obrigatoriedade de CNPJ
• Programas de circulação e formação voltados à bibliodiversidade
• Apoio à autopublicação ética e acessível
• Distribuição pública de livros de autores independentes
• Criação de espaços institucionais para autores fora do eixo
A literatura brasileira não pode depender apenas do que as grandes editoras escolhem publicar. O Brasil é mais vasto, mais plural, mais vivo do que isso. E quem escreve com as próprias forças, fora de qualquer rede de apoio, também merece estar nas bibliotecas, nas escolas, nos catálogos e nas políticas públicas.
Porque escrever é um ato íntimo. Mas publicar, circular, ser lido — é coletivo. É social. É político.
E o Estado não pode continuar se omitindo disso.
Jéssica Iancoski
Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.