
Quando falamos em terceiro setor, pensamos em saúde, educação, meio ambiente, assistência social. Mas raramente associamos esse campo à literatura — e ainda menos a uma editora. Porém, a verdade é que se quisermos uma sociedade mais justa, a palavra também precisa ser democratizada. E é por isso que acredito, com cada vez mais convicção, que o terceiro setor precisa de editoras-ONGs.
Não basta garantir o acesso ao livro apenas como leitor. É preciso garantir o direito de ser autor. A escrita não pode seguir sendo privilégio de quem tem capital, tempo, contatos ou validação acadêmica. Há vozes silenciadas que só se tornarão audíveis quando forem legitimadas também no papel — com ISBN, projeto gráfico, impressão e circulação.
Foi a partir dessa inquietação que nasceu a Toma Aí Um Poema (TAUP) — a primeira editora-ONG do Brasil. Uma casa editorial que atua como projeto social, cultural e político. Que não seleciona obras apenas por critérios de mercado, mas por urgência, representatividade, impacto e desejo de existência.
Nosso trabalho vai além de publicar livros. Publicar é só o meio. O fim é reconhecer, fortalecer e divulgar vozes historicamente excluídas do circuito literário. Pessoas LGBTQIA+, negras, indígenas, com deficiência, neurodivergentes, mães solo, trabalhadores, estudantes periféricos, idosos, crianças-poetas. Tudo isso é literatura.
E por que isso importa no terceiro setor?
Porque a cultura também é uma forma de cuidado, de cura, de emancipação. Porque a palavra é ferramenta de transformação social. Porque, muitas vezes, é no poema que alguém diz pela primeira vez: “eu existo.” Porque o livro pode ser abrigo, espelho, estrada e megafone.
Enquanto o mercado editorial tradicional segue concentrado em grandes centros, figuras consagradas e estratégias comerciais, uma editora-ONG atua onde quase ninguém quer olhar: nas margens, nas escolas públicas, nos saraus de periferia, nos presídios, nas aldeias, nas feiras comunitárias. Ali onde o livro é semente — não produto.
Uma editora-ONG não quer dominar o mercado. Quer redistribuir acesso. Quer ampliar o que se entende por literatura. Quer formar leitores e autores, não só clientes. E quer, acima de tudo, criar um espaço onde o sonho de publicar não seja uma exceção — mas uma possibilidade real para quem nunca teve vez.
No terceiro setor, nós falamos em impacto. Pois bem: publicar um livro pode ser um dos maiores impactos na vida de uma pessoa. Um livro muda o jeito como alguém se vê. Muda a maneira como é visto. Muda a relação com o mundo.
Por isso, precisamos de mais editoras-ONGs. Precisamos de mais projetos que aliem formação, escuta, criação e distribuição. Precisamos de políticas públicas que reconheçam a literatura como um direito social, e não apenas como objeto de consumo.
Porque quem escreve, resiste. E quem publica, permanece.
Jéssica Iancoski
Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.