Por que é tão difícil dizer sou escritora?

Reflexões sobre a identidade de escritora, inspiração poética com Ferreira Gullar e uma leitura de Rosa Montero.

Às vezes, a parte mais difícil de escrever é dizer que se escreve.
Não o fazer em si — mas o assumir.
Dizer em voz alta: sou escritora.
Escrevo. Publico. Sou trabalhadora das palavras.

Na última semana, lidei com os currículos de mulheres para inscrever um projeto literário. Todas escrevem. Todas publicaram livros. Algumas já ganharam prêmios. Uma delas, finalista do Jabuti.

Mas, ao ler os currículos, tropecei no campo “profissão”.
Li: funcionária pública, designer gráfica, engenheira, professora, advogada, psicóloga, etc, etc, etc.

Apenas uma parte pequena — cerca de 20% — incluiu “escritora” ao lado da profissão que, provavelmente, paga as contas.

Mas eu sei: as outras 80% escrevem com frequência, com seriedade, com compromisso. Produzem literatura, publicam livros, participam de coletâneas, recebem prêmios.

Ainda assim, hesitam diante do título.

E então, a pergunta começou a me martelar: por que é tão difícil assumir que somos escritoras?

Mesmo com livros lançados.
Com leitores.
Com prêmios.
Mesmo quando é o que fazemos todos os dias, entre o trabalho, a casa, os filhos, o fôlego.

Será medo? Modéstia? Desacostume?
Ou será que ainda esperamos permissão?

Escrever é (ou não) escolha, é ofício, é tempo roubado ao sono.
Escrever é um gesto de coragem.
E ser escritora é profissão.
Nossa. E de direito.


Pra continuar escrevendo

Esses dias, ouvindo uma entrevista do Ferreira Gullar, fui atravessada por uma pergunta que às vezes sussurra por dentro:

De onde nascem os poemas?

Veja essa entrevista

Ferreira Gulllar nos mostra que a poesia é algo que vem de fora, que nos pega de surpresa, que nasce de um lugar imprevisto. Que muitas vezes, não segue um caminho planejado, mas se abre por onde menos esperamos.

Eles vêm sem pedir permissão, se desdobram em algo que nem sabíamos que era possível. E, nesse movimento, vão se construindo de maneira própria, desafiando qualquer expectativa.

Poema O Cheiro da Tangerina


✏️ Exercício de Escrita: O Assombro que pede um Poema

Proposta:
Às vezes, a escrita nasce de algo que nos assombra, algo que nos desperta de forma inesperada. Pode ser uma imagem, um som, uma sensação, ou até um simples cheiro — mas que, por algum motivo, nos invade e exige um olhar mais atento. No caso de Ferreira Gullar, foi o cheiro de uma tangerina que o fez escrever. E você? Qual é o seu “cheiro de tangerina”?

Passo 1: A Percepção do Assombro
Encontre algo que, de alguma forma, te surpreenda ou te toque de um jeito inesperado. Pode ser um objeto, uma memória, uma paisagem, uma palavra. Algo que, ao ser percebido, parece ter um peso maior, algo que vai além do simples olhar. Talvez você não entenda imediatamente o que aquilo significa, mas sabe que há algo ali, algo forte, que precisa ser capturado.

Passo 2: Pesquisar sobre o Assombro
Agora, pesquise sobre o que te tocou. Se for uma flor, busque seu significado, suas propriedades. Se for uma cor, veja o que ela simboliza. Se for uma palavra ou um conceito, tente entender sua origem, seu impacto histórico ou emocional. Permita que essa pesquisa te leve a novas conexões e sensações.

Passo 3: Deixe o Poema Chegar
Com o que você encontrou, deixe o poema ir se formando naturalmente. Não force um caminho, não se prenda a uma estrutura. O poema vai chegar, aos poucos, como uma resposta ao que você sentiu. Não importa se ele é curto ou longo, se é claro ou enigmático. O importante é permitir que a escrita aconteça por conta própria.

Dica:

A pesquisa não deve ser uma explicação para o que você está escrevendo, mas uma ampliação do que a experiência inicial te provocou. Permita que o poema se construa, sem pressa, a partir de um assombro que te levou à escrita.

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O que estou lendo

Atualmente, estou imersa na leitura de Nós, Mulheres de Rosa Montero, que nos leva a questionar a trajetória das mulheres, suas conquistas, suas dores e suas resistências.

Através de histórias de mulheres extraordinárias, Rosa nos provoca a refletir sobre as nossas próprias vivências, repensar os estereótipos e normas sociais que, ainda hoje, tentam definir o que é ser mulher.Inscreva-se

O que eu mais gosto no livro é o equilíbrio entre a narrativa histórica e a intimidade de cada história, fazendo com que o tema da luta feminina seja tratado de maneira pessoal e, ao mesmo tempo, universal.

Se você ainda não leu, eu definitivamente recomendo essa leitura. É um livro que emociona, questiona e nos faz pensar sobre o lugar que ocupamos no mundo, e sobre os passos que ainda podemos dar.


Por (entre)linhas dessa semana fica por aqui. Espero que você encontre tempo, espaço e assombro para escrever — ou, pelo menos, para se deixar atravessar por algo bonito.

E, se ainda não se considera escritora, que essa seja a semana em que você comece a se ver assim. Porque é.

Por que é tão difícil dizer sou escritora? por Mabelly Venson

Reflexões sobre a identidade de escritora, inspiração poética com Ferreira Gullar e uma leitura de Rosa Montero

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