Para escrever não é necessário apenas manter-se escrevendo

A importância de apoiar pessoas escritoras e estudar os gêneros literários que desejamos criar.

Nas oficinas de escrita que ministro, costumo dizer que para escrever, é preciso manter-se escrevendo.

Essa parece ser uma ideia simples e eficaz, mas também digo que ela não é suficiente. Afinal, escrever é um ato que requer mais do que apenas perseverança. Gosto de trazer Virginia Woolf para essa conversa.

No ensaio Um Teto Todo Seu, Virginia escreveu que “uma mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu, um espaço próprio, se quiser escrever ficção”.

Ela estava certa.

Manter-se escrevendo é fundamental, mas, para que isso seja possível, uma escritora precisa de muito mais do que apenas caneta, papel e inspiração. Ela precisa sim, de um teto. E não se trata apenas de um teto físico, com telhas e caibros, mas tudo o que ele simboliza: um espaço onde a escrita possa acontecer. Tempo, respeito e dinheiro são pilares que sustentam esse teto.

E por quê?

Porque ser escritora é uma profissão, é um trabalho. E, como qualquer outro trabalho, precisa de remuneração para existir.

É comum uma pessoa escritora ouvir gosto muito do que você escreve, ou tenho tanto orgulho de você, minha amiga escritora! Essas palavras aquecem o coração, mas também trazem um incômodo silenciado: a ideia de que escrever é um dom divino, algo que acontece por inspiração e visto como um passatempo – feito no tempo livre.

Não é assim.

Escrever é estudo, trabalho, tempo e energia. Uma pessoa que escreve carrega todas as outras tarefas que a vida impõe. Eu sei disso porque sou uma dessas pessoas. Mulher, mãe solo, trabalhadora da escrita. Em meu dia, eu escrevo. Mas também reviso, respondo e-mails, lido com prazos e, ao mesmo tempo, cuido da casa, acompanho meus filhos, organizo o orçamento, lavo roupa, preparo o café o almoço o jantar.

Escrever, nesse contexto, é um ato de resistência.

E como é que uma escritora deveria sobreviver?

Pela venda de seus livros, claro. Mas, no Brasil, isso é um desafio quase inalcançável. Publicar é caro, os direitos autorais são pequenos e o mercado editorial é complexo. Mesmo as editoras mais bem-intencionadas enfrentam as limitações de um sistema que exige demais: impostos, custos de impressão, transporte, marketing, remunerar decentemente todos os funcionários e muitas outras coisas. O resultado é que, dificilmente, uma mulher escritora vai conseguir sustentar sua própria arte só com elogios. Eles massageiam o ego, mas não pagam boletos, não enchem barriga, não mantêm a luz acesa.

Por isso, deixo aqui uma reflexão: se você admira a escrita de alguém, valorize-a. Compre seus livros, divulgue seu trabalho, compartilhe seus textos com outras pessoas. Um livro, muitas vezes, custa menos que uma pizza ou um hambúrguer (de origem duvidosa) e vale muito mais!

A escrita precisa de espaço, de respeito e de investimento. Incentive, aprecie, compre os livros. Porque, sem isso, é difícil manter-se escrevendo.


Estudar aquilo que se quer escrever

Para quem escreve, é muito importante estudar aquilo que se quer escrever. Seja um romance, uma novela, um conto, uma crônica ou um poema, é necessário consumir esse gênero de forma intensa, ler como escritora, analisar os recursos utilizados e compreender as ferramentas que ele oferece.

Ler como escritora significa observar as escolhas feitas por outros autores e autoras. O discurso indireto livre, por exemplo, é uma técnica que pode (e deve) ser estudada. Veja este trecho de Humanos Exemplares, de Juliana Leite:

Aqui, o narrador se mistura aos pensamentos e percepções da personagem, criando uma intimidade emocional que aproxima o leitor de sua vivência. Esse tipo de análise é essencial para quem deseja usar o recurso de forma eficaz.

Por isso, ler é mais do que inspiração: é estudo. E estudar é o segundo passo para quem deseja escrever com qualidade – o primeiro é escrever. É preciso aprender com nossos contemporâneos, analisar suas escolhas e entender como suas obras dialogam com o mundo ao nosso redor para evoluir como escritoras e escritores. Não se trata apenas de ler, mas de consumir literatura com olhos atentos, curiosidade e vontade de crescer.


Para continuar escrevendo

Já que falei em discurso indireto livre, proponho um exercício para praticá-lo.

Escolha uma personagem que você conhece bem — pode ser uma figura fictícia ou alguém do seu cotidiano. Imagine uma cena em que essa pessoa enfrenta um dilema ou emoção forte.

Escreva um parágrafo narrado em terceira pessoa, mas inclua as percepções e pensamentos íntimos da personagem. Deixe que a voz do narrador se misture com os pensamentos da personagem, sem marcar a mudança com aspas ou travessões.

Aqui vai um exemplo para inspiração:

"Ela ficava muito brava com ele e dizia que jamais traria biscoitos para casa outra vez, assim não era possível. Como alguém podia comer tantos de uma vez? Mas sabia que, na próxima ida ao mercado, cederia de novo. Era sempre assim."

Depois de escrever, revise. Veja se conseguiu criar essa fusão entre o narrador e a personagem.

Escreveu? Então Compartilhe esse parágrafo aqui .

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Divirta-se explorando essa técnica tão rica da escrita literária.


A leitura que me acompanha

Estou escrevendo meu livro novo e, por isso, tenho me dedicado a estudar romances. Nesta semana, estou lendo A Patroa, de Hannelore Gayre. Um livro que chegou até mim como presente de um amigo querido que achou que eu iria gostar (um salve aos amigos que nos conhecem tão bem!). É um privilégio poder aprender com histórias tão bem construídas enquanto traço os caminhos da minha própria narrativa.


Por (entre)linhas dessa semana fica por aqui. Espero que você encontre seu teto, que estude e que continue escrevendo. Nos vemos na próxima!

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mabelly.substack.com/


Mabelly Venson é uma matemática que se apaixonou pela escrita. É parteira de livros na Editora Toma Aí Um Poema e autora de “Tudo Que Queima”, “apenas mãe” e “GELO”, obras que focam nas complexidades do ser mulher.

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