
Enquanto os holofotes apontam para os nomes consagrados nas mesas da programação oficial da FLIP, um outro movimento — vibrante, desobediente e necessário — se desenrola do lado de fora, ocupando ruas, casas coletivas, becos e calçadas com uma potência que escapa ao script. Ali, onde o improviso encontra o desejo, nasce a programação paralela: um território de experimentação, afeto e disputa simbólica, onde cabe o que o palco principal muitas vezes não contempla.
A força da programação paralela não está apenas na sua diversidade, mas em sua urgência. É ali que vozes dissidentes ganham espaço: poetas periféricos, editoras independentes, coletivos de literatura marginal, autores LGBTQIAPN+ e tantos outros corpos e estéticas que não se veem (ainda) representados nas mesas “oficiais” — embora sejam, em grande parte, o motor vivo da produção literária contemporânea brasileira.
Em casas como a Casa Gueto, por exemplo, o que se vê é mais do que um festival dentro do festival: é um abrigo para livros que falam de territórios não mapeados, um palco para autores que nunca passaram pelas grandes vitrines e uma prova viva de que a literatura pulsa com mais intensidade fora da lógica dos curadores e patrocinadores. Ali, o microfone é aberto, os temas são urgentes e a escuta é real. Os encontros não terminam em aplausos formais, mas em abraços, trocas de contato, parcerias improváveis e novas ideias de mundo.
Esses espaços paralelos não competem com a programação oficial — eles a tensionam, ampliam e, de certo modo, corrigem suas omissões. Eles lembram que a literatura não se limita ao que cabe num auditório. Ela também está no verso rabiscado no guardanapo, no microfone do slam às 23h, no café compartilhado entre autores desconhecidos que descobrem que estão falando das mesmas feridas.
Em tempos em que a curadoria de grandes eventos precisa lidar com pressões de mercado, patrocínios e cronogramas enxutos, a programação paralela surge como um gesto de liberdade. Sem a pretensão de representar o mercado, ela apresenta o que há de mais vivo, experimental e insurgente na literatura hoje.
Por isso, é preciso reafirmar: o que não cabe na programação oficial é, muitas vezes, o que tem mais urgência de ser dito. E por isso é tão precioso. Porque ali, no improviso, no desvio e na margem, o que se constrói é o futuro.