Os livros que nos marcam e as histórias que podemos escrever
Alguns livros apenas passam por nós. Há os que são como uma brisa leve: agradáveis, mas efêmeros. Outros, no entanto, parecem se fundir ao nosso corpo, como se se tornassem um órgão invisível, ou uma molécula do sangue, que circula silenciosamente, mas está ali, sempre presente.

Aquele livro sabe? O que nos acompanha mesmo depois de fecharmos a última página, que revisitamos em momentos aleatórios, como se fosse um velho amigo.
Mas o que, afinal, faz um livro ser inesquecível?
Primeiro, há a força da linguagem. Certas frases nos atravessam como um raio e deixam marcas que o tempo demora para apagar. Às vezes, é uma passagem que parece ter sido escrita exatamente para nós, uma frase que ressoa dentro da gente como se já estivesse ali, esperando ser lida. Pode ser um arrebatamento, uma simplicidade que diz tudo, ou uma experimentação que desafia o jeito como lemos e pensamos.
A linguagem de um livro inesquecível não passa despercebida: ela nos envolve, nos toca e nos transforma.
Depois, as personagens. Não basta que sejam bem construídas; é preciso que respirem, que falem conosco, que despertem amor e ódio, mas nunca indiferença. São aquelas figuras que levamos para a vida, que gostaríamos que se fossem velhas amigas ou inimigos íntimos.
E o enredo? A construção da trama importa tanto quanto as personagens e a linguagem. Uma história bem estruturada, mantém o equilíbrio entre surpresa e coerência, e conduz a um desfecho que muitas vezes não é previsível. Quando a trama nos faz prender a respiração, quando nos deixa inquietes ou nos faz refletir muito depois do fim, então sabemos que encontramos um livro inesquecível.
Há também, claro, o apelo emocional. Um bom livro chega ao nosso lugar e nos chuta pra fora. Nos faz rir sozinhos, chorar em público, ter vontade de gritar, ou simplesmente fechar as páginas por um instante, tentando processar o que acabamos de ler.

Alguns livros, com certeza, nos transformam. Nos mostram algo novo sobre o mundo, sobre os outros e sobre nós mesmos. Nos fazem repensar nossas certezas, nossos afetos, nossos medos.
O que faz um livro ser inesquecível?
Talvez a resposta seja única para cada leitore. Mas, no fim, um livro inesquecível é aquele que continua vivo dentro de nós, mesmo muito tempo depois da última página.
Tenho muitos livros que considero favoritos, mas há um que, sem dúvida, é inesquecível para mim: Um defeito de cor, da Ana Maria Gonçalves. Esse livro me tocou de uma forma tão singular que nem sei descrever.

A história de Kehinde, uma mulher africana trazida ao Brasil como escravizada, reverbera em mim de maneira profunda.
A autora, encontrou cartas antigas na igreja de Itaparica, cartas escritas por uma mulher (provavelmente Luiza Mahin). Ana Maria se isolou em uma casinha à beira-mar e, com base nessas cartas, ficcionalizou a história de Kehinde, que, em certa medida, passa a representar a luta, a ancestralidade e a resistência.
Esse livro me ensinou muitas coisas, mas as mais marcantes foram sobre fé, resiliência e a importância de honrar as raízes ancestrais. Desde então, há cinco anos, conservo um vaso de dinheirinho em penca dentro de casa, como se essa plantinha fosse uma representação de Kehinde. Um defeito de cor guarda alguns dos meus segredos e, de tempos em tempos, eu pego o livro, retiro-o da prateleira e toco suas folhas, revivendo os momentos que passamos juntos. É como se, de algum modo, ainda estivéssemos lado a lado, compartilhando a sabedoria e a força daquela história.
E para você, qual livro é impossível esquecer?
Para continuar escrevendo
Muitas vezes, terminamos um livro e pensamos Eu gostaria de ter escrito essa história. Sentimos que aquelas palavras poderiam ter saído de nossas mãos, que aquele universo poderia ter nascido da nossa imaginação. Outras vezes, buscamos desesperadamente um livro que simplesmente não existe — pelo menos, não ainda.
Toni Morrison nos ensina que “Se há um livro que você deseja ler, mas ainda não foi escrito, você deve escrevê-lo.”
E essa frase carrega um convite: escrever aquilo que falta no mundo, aquilo que gostaríamos de encontrar nas prateleiras, mas ainda não encontramos.
Escrever o livro que queremos ler é um ato de coragem. É permitir-se explorar histórias que nos inquietam, personagens que queremos conhecer, mundos que gostaríamos de habitar. É um processo de descoberta, um diálogo entre o que sentimos falta e o que podemos criar.
Talvez esse livro já esteja dentro de você, esperando o momento certo para ser escrito.
Então, qual história você gostaria de ler e ainda não encontrou? Talvez seja hora de escrevê-la.
O que estou lendo
No domingo, terminei De Quatro, da Miranda July, e desde então estou passando por uma ressaca literária. Sabe aquela sensação de ficar meio perdido depois de um livro? Pois é.
A história acompanha uma mulher de 45 anos que está na perimenopausa (olha eu me vendo nessa história!). Entre dúvidas e desejos inesperados, ela busca se reconectar consigo mesma de formas inusitadas. Mas o que mais me chamou atenção foi a maneira como a protagonista, que também é mãe, trata sua criança no gênero neutro. Foi a primeira vez que vi isso na literatura, e esse detalhe, por si só, já fez a leitura valer a pena.
Agora, sigo tentando encontrar um livro que me tire dessa ressaca. Alguma recomendação?
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Por (entre)Linhas dessa semana fica por aqui. Eu espero que você continue encontrando livros inesquecíveis e que pense seriamente nessa ideia de escrever o livro que gostaria de ler.
Mabelly Venson é uma matemática que se apaixonou pela escrita. É parteira de livros na Editora Toma Aí Um Poema e autora de “Tudo Que Queima”, “apenas mãe” e “GELO”, obras que focam nas complexidades do ser mulher.