
Versos pequenos, ideias imensas: o valor poético daquilo que o mundo chama de pouco
No título já está o aviso: Mixaria. Gleidston Alis opta por nomear sua obra com uma palavra historicamente ligada ao que se desvaloriza, ao que sobra no fundo do bolso, ao que não serve mais. Mas essa “mixaria” poética tem peso, tem nervo e, acima de tudo, tem consciência crítica — e é isso que torna o livro tão surpreendente.
Publicada pela TAUP em 2024, a obra é um compêndio de formas breves: trovas, haicais, aforismos, chistes, lampejos. Mas não se trata de mero exercício formal. Alis subverte o diminuto para operar grandeza. Cada poema, cada linha, cada ruptura gráfica e sonora serve como micro-explosão de sentido.
💥 A estética da síntese como política
Não se trata apenas de domínio técnico — embora haja muito disso, como se vê nos jogos fonéticos (“cimento é sentimento / que dando n’água / endurece”) e nos trocadilhos visuais e semânticos (“dever: devo orar / de ver: devorar”). Trata-se de uma visão de mundo condensada em partículas poéticas.
Como o próprio autor anuncia na introdução, são sementes — “diminuídas, mas já prenhes de alguma floração” — lançadas em solo fértil ou não, dependendo do olhar do leitor. É um livro que exige atenção microscópica: para ver, é preciso parar. Para entender, é preciso se abrir.
🌍 A poesia como denúncia e crônica social
Em poemas como os da série Rumores de Guerras, Gleidston Alis mostra que mesmo a forma breve pode conter grandes tragédias humanas. Palestina, Sudão, Gaza, Capão Redondo — lugares que parecem distantes entre si, mas que o poeta costura numa cartografia da injustiça. A denúncia é cortante, mas também carregada de lirismo crítico:
“na faixa de Gaza
sem gaze que enfaixe
bandagem que baste
enfeixe que enfeite
a humanidade” (p. 56)
A violência é tratada não com grandiloquência, mas com a precisão de quem entendeu que o trágico pode caber em três versos. E, ao fazer isso, o autor evoca a tradição do haicai japonês, mas com uma inflexão política e brasileira — herdeira de Paulo Leminski, Manoel de Barros, Alice Ruiz e das invenções concretistas.
🧠 Humor, crítica e ternura
Alis brinca com a língua, mas nunca à toa. As rupturas ortográficas, os neologismos e os cortes inesperados de página não são apenas estéticos — são formas de questionar o automatismo da linguagem e das relações.
A crítica ao sistema, ao algoritmo, à alienação, à violência urbana e institucional está sempre ali, mas não impede que surjam lampejos de humor (“Hit d-tox / substitua o algoritmo / por algum ritmo” – p. 90) ou de um lirismo delicado:
“não deixei
nem vazio
em meu
lugar
ao partir” (pp. 74–75)
📚 Um livro para leitores curiosos, inquietos, apaixonados pelo pouco que é muito
Mixaria é um livro que exige releitura. Não porque é difícil, mas porque tem camadas escondidas em cada verso mínimo. É leitura para quem gosta de textos que reverberam no corpo depois de lidos — como um eco que se demora.
E, acima de tudo, é um gesto editorial necessário. Publicar um livro como esse é afirmar que o valor de um poema não está no número de páginas, mas na potência daquilo que ele mobiliza.
Resumo crítico
📖 Mixaria
✍️ Gleidston Alis
🏷️ Poesia mínima, crítica social, humor ácido, lirismo filosófico
📌 Publicado pela TAUP em 2024
🔎 Recomendado para leitores de poesia contemporânea, professores, amantes da forma breve e da provocação poética