
O escritor Márlon Manossi, nascido em Ituaçu (BA) e residente em Jequié (BA), é autor de Ovos de Jabuti em Latas de Ferro, um livro que desafia classificações. Misturando poesia, contos, cartas, lendas e formatos inusitados, sua obra revela uma escrita profundamente conectada à oralidade e às raízes culturais do interior baiano, sem abrir mão do humor, do lirismo e da fantasia.
Em suas páginas, o autor costura histórias de amor, misticismo e humanidade, criando um universo ficcional que pulsa entre o cotidiano e o insólito.
A infância como origem da imaginação
A relação de Márlon com a escrita começou cedo, a partir da escuta. Na infância, ele se encantava com lendas, mitos e histórias contadas por familiares. Essa tradição oral, somada à leitura de livros de aventura e fantasia, moldou o olhar imaginativo que hoje atravessa sua literatura.
“Eu ouvia histórias e criava pequenos filmes na cabeça, acrescentando detalhes, imaginando as cenas. Minha escrita nasceu dessa mistura entre a tradição oral, a imaginação e minhas vivências infantis”, conta.
Sua primeira narrativa, curiosamente, foi uma reinvenção de clássicos: Isabela na Ilha Encantada, uma espécie de cruzamento entre Alice no País das Maravilhas e O Mágico de Oz, onde golfinhos que cospem fogo habitam uma ilha mágica. “Era birutinha, mas tinha graça”, brinca.
Na adolescência, vieram as fanfics e um primeiro livro de terror, ainda guardado “nas catacumbas”, como ele diz. Mas foi com o tempo e com a influência das aulas de literatura que sua escrita se consolidou — poética, dramática e profundamente ligada ao simbólico.
Entre oralidade e experimentação
Manossi escreve como quem mistura tempos, vozes e formas. Em sua literatura, convivem cordel, épico, fábula, carta, trava-língua e boletim de ocorrência, todos usados para contar uma mesma história. Essa ousadia formal nasceu do desejo de expandir um poema épico que, aos poucos, se transformou em um conjunto narrativo multifacetado.
“Comecei com uma poesia longa sobre um homem apaixonado pela filha de uma bruxa”, explica. “Mas percebi que havia muitas pontas soltas e personagens pedindo espaço. Então passei a experimentar: um conflito virou boletim de ocorrência, uma passagem ganhou formato de lenda, outra de trava-língua. Fui misturando tudo — e o livro virou esse balaio doido que amo como um filho.”
O significado por trás do título
O título Ovos de Jabuti em Latas de Ferro carrega uma metáfora pessoal e poética. O jabuti, símbolo de longevidade, contrasta com o ovo, que representa fragilidade e começo. Mas o nome também vem de uma lembrança íntima:
Márlon conta que, quando criança, cuidou com carinho de um pequeno ovo enterrado em uma lata de ferro, acreditando que dele nasceria um animalzinho que poderia batizar em homenagem ao gato desaparecido da família. “Cuidava com amor todos os dias, até que o ovo rachou misteriosamente. Foi um aprendizado sobre expectativa, perda e afeto.”
A metáfora ecoa no livro: “Acho que todos nós já cuidamos de algum ovo enterrado em uma lata de ferro — algo frágil que tentamos proteger. A questão é reconhecer quando é hora de seguir em frente.”
Uma escrita múltipla e inventiva
Para o autor, se fosse possível resumir o livro em uma palavra, seria criatividade. A mistura de gêneros, vozes e linguagens revela uma vontade de experimentar e de romper com formatos fixos. “Misturar contos, lendas, poemas, tirinhas e cordéis para contar uma história só exige muita inventividade”, diz.
Com isso, ele cria um texto vivo e plural, que dialoga tanto com a tradição popular quanto com o contemporâneo. A cidade fictícia de Lagoa, onde a trama se desenrola, é quase uma personagem — um microcosmo de gente, costumes e histórias que espelham o Brasil profundo.
O coração do livro: o amor e suas ruínas
Segundo Márlon, um dos momentos mais intensos de Ovos de Jabuti em Latas de Ferro está no Ato IV, que retrata o fim de uma relação amorosa marcada por solidão, ódio e desespero. “Acredito que os leitores se identifiquem com esse trecho porque todos, em algum momento, enfrentamos o ruir de algo que amamos”, reflete.
O livro, contudo, não se limita à dor: há nele humor, lirismo e ternura, em um equilíbrio que reflete a própria vida — trágica e bela, simples e mágica.
A arte de ler e perdoar
Para o escritor baiano, a literatura é, antes de tudo, um convite à empatia. “Nunca é tarde para abrir o coração para o perdão”, afirma. “Todos nós podemos alcançar esse bálsamo e reavivar nosso carinho com o abraço da compaixão misericordiosa.”
Sua mensagem final é um chamado à liberdade criativa: “A literatura, como toda boa arte, é livre e não possui regulamentos. Precisamos ser mais fora da caixinha para (re)construir a contemporaneidade da escrita.”
Onde encontrar o livro
Ovos de Jabuti em Latas de Ferro está disponível em versão física na Amazon e, em breve, em versão digital.