Em pré-venda pela Mocho Edições, a plaquete será lançada no dia 19/1, a partir das 19h na Casa Meio do Céu, na cidade de São Paulo
A plaquete “O Corpo de Laura” (Mocho Edições, 24 páginas), da poeta e jornalista paulistana Laura Redfern Navarro (@matryoshkabooks), é fruto de um exercício experimental que, junto de um livro, compõe o projeto homônimo premiado pelo edital ProAC 2022, promovido pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Pensado a partir do tensionamento do nome da autora com o da personagem Laura Palmer do seriado Twin Peaks, o projeto se coloca desde o título enquanto uma exploração de fronteiras como ficção versus autoficção, pessoal versus político e sujeito versus político. A plaquete, nas palavras da autora, é “uma espécie de epílogo a essa investigação, que começa a tomar corpo no processo do livro”.
Em pré-venda no site da editora, a plaquete “O Corpo de Laura” será lançada oficialmente no dia 19 de janeiro, a partir das 19h, na Casa Meio do Céu (Rua dos Franceses, 258, Morro dos Ingleses), na cidade de São Paulo. O evento, que contará também com a presença da pesquisadora Gabriela Vescovi (com a tradução de “Eu sou memória”, obra poética da escritora nigeriana Jumoke Verissimo) e das escritoras Layla de Guadalupe (com a reedição de seu livro de estreia, “A História do Gozo e Outros Canibalismos”), Michelle Soares (que estreia com “A Mulher ao Avesso”, trabalho em que explora texto e colagem) e Priscilla Menezes (com o livro de poemas e experimentações em desenho “A Fera ao Meio”), compõe um lançamento coletivo das autoras da Mocho Edições. Vale ressaltar, ainda, que Guadalupe e Soares participam no processo de elaboração de “O Corpo de Laura” como leitora crítica e artista de capa, respectivamente.
A plaquete “O Corpo de Laura” propõe um deslocamento da personagem pelo meio urbano, unindo palavra, fotografia e a cidade de São Paulo a partir de lugares centrais da capital, como o Theatro Municipal de São Paulo, o Vale do Anhangabaú, a Rua 25 de Março e a Rua Sete de Abril. Iniciando-se com a personagem entrando em um transporte público e encerrando-se com a volta dela para a casa, é a partir do trajeto que insurgem temáticas como anonimato, corporeidade, erotismo e alteridade, reforçadas por fotografias de manequins, objetos descartados e vendinhas com edições colorizadas e hiper-saturadas. Desta maneira, o leitor vai reconhecendo o espaço a partir da construção da sensorialidade da personagem Laura.
A plaquete surge inicialmente como um trabalho de fechamento da disciplina de Cultura Brasileira da Faculdade Cásper Líbero, ministrada pelo professor e pesquisador Alex Hilsenbeck, que propunha uma cartografia afetiva da cidade. O trabalho, já pensado como um teste de possibilidade em cima do título “O Corpo de Laura”, também se expandiu a fim de ser desenvolvido com mais profundidade na oficina Fotografia, Gesto e Escrita, da fotógrafa paraibana Li Vasc.
Segundo a autora, a apropriação da cidade como cenário não vem despropositada, mas como um primeiro exercício da percepção da personagem Laura, enquanto sujeito, em relação a um corpo externo a ela, sendo uma experiência de fusão, reconhecimento e alteridade. “O Centro de São Paulo é emblemático como cenário” afirma Laura “sendo o berço do Modernismo Brasileiro, é nesse lugar que surgem as primeiras discussões sobre a Antropofagia, por exemplo, que foi um conceito central para pensar a ideia de corpo na plaquete”.
O corpo e a escrita de Laura: um corpo-mulher no mundo
Laura Redfern Navarro é paulistana e nasceu no ano de 2000. É poeta e jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero. Desde 2019, mantém a plataforma literária @matryoshkabooks em diversas redes sociais, incluindo Instagram, Medium e Newsletter. Foi aluna dos cursos Poesia Expandida (2020) e do Curso Livre de Preparação de Escritores da Casa das Rosas – CLIPE – Poesia (2021), ambos pela Casa das Rosas.
Seu trabalho artístico investiga a linguagem enquanto corpo, experimento e subversão nas vicissitudes do feminino. Nesse sentido, questões políticas relacionadas ao mundo da escrita feita por mulheres perpassam sua obra não só como parte de seu processo criativo, mas como uma afirmação política consciente.
“Em ‘O Corpo de Laura’, trabalho com a recostura de um corpo fraturado pela violência contra a mulher, que, num momento posterior, busca experimentá-lo no espaço externo. Trata-se de uma experiência criativa que se propõe a recriar a voz de uma existência estruturalmente silenciada a partir da criação artística”, explica.
Segundo a poeta, todo o projeto “O Corpo de Laura” pensa a alteridade como chave importante na construção do sujeito, a única maneira do corpo em processo de Laura materializar-se como potência é a partir do encontro com o diferente. Assim, a plaquete concebe um verdadeiro duelo entre o “eu” e “o outro”. E completa: “Penso o poema como Corpo – e o Corpo é tanto subjetivo como coletivo. E a minha criação toda se volta a seguir esse percurso, buscando sempre outras instâncias de se entender Corpo-mulher no mundo.“
Laura se considera mais leitora do que escritora e afirma estar sempre de olho no que vem sendo produzido e publicado nesse momento e por isso se vê pegando emprestado recursos de outras escritoras contemporâneas em sua escrita. Sua estante de referências é hoje constituída principalmente por nomes femininos, em especial Alejandra Pizarnik, Stella do Patrocínio e Bruna Mitrano. Além delas, os homens Gaston Bachelard e David Lynch merecem destaque.
Essa interlocução entre leitura-escrita é tão presente no processo criativo da poeta que fez parte até de sua monografia de TCC no curso de jornalismo, quando ela escolheu como tema investigar o livro de poemas “O Martelo”, de Adelaide Ivánova. Além desses nomes, vale destacar os títulos “A História do Gozo e Outros Canibalismos” da Layla de Guadalupe, “Use o Alicate Agora” da Natasha Félix e a dramaturgia “B de Beatriz Silveira” da Inês Bushatsky como influências diretas da plaquete.
Como a proposta de escrita da autora é feita a partir dos encontros, suas referências também partem das trocas que ela faz com outros artistas e poetas, principalmente àquelas relacionadas ao CLIPE (Curso Livre de Preparação do Escritor da Casa das Rosas), cuja dinâmica se propõe a fortalecer diálogos criativos. Neste sentido, ela destaca a parceria potente com as escritoras Samara Belchior autora de Bruxismo & Outras Automutilações) e Tóia Azevedo (escritora e artista visual, autora de Meninas Loucas Não Vão Para o Céu). Outras influências são a escritora e jornalista Priscila Kerche (que integra a plaquete Ira), a poeta, fazedora cultural e jornalista Flora Miguel (autora de Tempo sem Cruz) e o professor e poeta Heitor Ferraz, que orientou sua pesquisa de TCC.
O Corpo futuro: livro homônimo será publicado no primeiro semestre
Segundo a autora, a publicação do projeto completo d’O Corpo de Laura está prevista para o primeiro semestre de 2023. O livro propositalmente homônimo da plaquete está encaminhado, mas será editado nos próximos meses em diálogo com o percurso da plaquete no mundo.
“Em termos de escrita, acho que esse livro será a expressão mais forte de mim enquanto autora, sendo fruto de um longo processo em que fui construindo, aos poucos, uma identidade estética potente e autêntica. Nesse sentido, O Corpo de Laura também é a colocação, no mundo, do meu próprio corpo poético”, pontua.
Conheça um trecho da obra a seguir:
I
andei pela rua sete de abril hoje
a Moça me abordou falando
que não era um assalto
II
é que a Moça
não tinha [nome]
e quis pegar o meu emprestado
não fiz questão
depois pediu os meus [ouvidos]
e também a História: [a dela] [a minha] a nossa?
falei que tudo bem,
III
não houve crime nenhum ali
pois a Moça
me /agradeceu/ ao final
e para sempre
– Anônima, poema da plaquete “O Corpo de Laura”