Com apenas 18 anos, o autor paulistano Nathan Soares revela maturidade literária e uma profunda sensibilidade ao transformar experiências de angústia e reconstrução em linguagem poética. Nesta conversa, ele fala sobre sua trajetória, suas influências e o processo de criação de um livro que, segundo ele, existe porque um dia decidiu não morrer.

Nascido em São Paulo em 2006, Nathan Soares começou a escrever muito cedo — aos onze, talvez doze anos. Enquanto outros garotos anotavam tarefas, ele preenchia diários. Não para registrar fatos, mas para traduzir sentimentos. Desde o início, trocava os elementos da realidade por imagens e metáforas. Quando as palavras falhavam em prosa, vinham em forma de poesia.
Esse hábito o acompanha até hoje. “A necessidade de me ancorar em algo para entender a realidade, seja ela interna ou externa, é o que mantém a escrita presente no meu dia a dia”, conta. Escrever, para ele, é mais do que expressão: é sobrevivência emocional e espiritual.
Influências e espelhos
A formação literária de Nathan é atravessada por intensidade e introspecção. Sylvia Plath e Clarice Lispector estão entre suas maiores influências — vozes que o ensinaram a olhar para dentro sem medo.
Ler Plath foi, segundo ele, como se ver pela primeira vez em um reflexo. “Cada palavra dela era eu”, afirma. Já com Clarice, o vínculo se tornou ritual: todo ano, o autor escolhe um livro da escritora para reler e absorver. Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres e A Hora da Estrela o transformaram profundamente, revelando o poder da literatura como experiência de transfiguração.
O corpo como território e o tema da resistência
Na poesia de Nathan, temas como vida, morte, transformação e depressão aparecem entrelaçados. O corpo surge como símbolo central — corpo ferido, deformado, fragmentado, mas ainda assim resistente.
Ele escreve sobre vulnerabilidade, mas também sobre a força que se esconde na dor. “Apesar de trabalhar muito com a morte em minhas obras, sempre trabalho com a morte para, no final, alcançar a vida. Mesmo no limite, escrevo sobre o desejo de sorrir, respirar, se alegrar. O principal tema da minha escrita é a resistência.”
O nascimento de Urutau
Dessa resistência nasceu o livro Urutau, publicado em 2025 pela editora M.inimalismos. A origem da obra é comovente: em um momento de crise profunda, Nathan ligou para um amigo pedindo que ele publicasse seus poemas caso morresse. A resposta foi inesperada e decisiva:
“Eu não vou fazer isso porque você vai estar vivo pra fazer isso.”
“Essa frase alterou a química do meu cérebro”, lembra. Meses depois, o poeta reuniu textos escritos desde os 14 anos e transformou-os em livro. “Urutau é o livro que existe porque um dia decidi não morrer.”
O título vem do pássaro noturno de canto melancólico, cercado por lendas de mau agouro. Nathan, no entanto, o enxerga de outro modo: “Ele não canta para agradar. Canta porque precisa. Minha poesia segue a mesma lógica.”
Escrever e publicar: entre o medo e a coragem
Durante o processo de criação, a percepção de que outras pessoas leriam e comentariam sua obra o paralisou. “Foi assustador. Escrever foi um ato de resistência; publicar, um ato de coragem.” Ele cita Carolina Maria de Jesus como uma espécie de guia nesse momento:
“Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade.”
Para Nathan, Urutau pulsa na fronteira entre aniquilação e continuação. Cada poema é, ao mesmo tempo, uma ferida e uma prova de vida.
O leitor e o desconforto
O autor acredita que os leitores tendem a se identificar com os poemas mais sombrios — textos como Corpo-Seco e Decomposição. “Todos temos partes sombrias que não sabemos nomear. Tenho certeza de que não sou o único a sentir emoções difíceis de lidar.”
Mas Urutau não é um convite ao desespero — é um chamado ao enfrentamento. “É um convite a encarar o desconforto. Não é uma travessia leve, mas é verdadeira. Quero que o leitor reconheça que, mesmo naquilo que sangra, ainda pode haver beleza e vida.”
A performance e o rosto que mostramos
Entre os temas que atravessam o livro e suas reflexões, há também uma crítica à performance social: o modo como as pessoas são levadas a fingir estabilidade em meio ao caos. “Até que ponto o rosto que mostramos é realmente o nosso? Fingir estar bem em prol da performance pode ser uma forma de adoecer”, questiona.
Uma mensagem aos leitores
Nathan fala com delicadeza sobre o impacto de seu livro e a importância do cuidado. “Se você se enxergar nos poemas mais sombrios, está tudo bem. Estar triste, ansioso, suicida, não é crime; é uma condição humana. O importante é buscar amor, ajuda e acompanhamento profissional.”
Mais do que um livro de poemas, Urutau é o testemunho de alguém que enfrentou o abismo e escolheu continuar. “Publicar o livro foi como dizer ao mundo todo que eu sobrevivi.”
E, como o canto do pássaro que lhe dá nome, Urutau ecoa nas páginas como um lembrete: há beleza mesmo na dor — e vida, mesmo quando tudo parece silêncio.
Thiago Leandro
diz:Minha admiração por esse jovem adulto só aumenta, meu desejo é que vc alcance seus objetivos.