Reflexões sobre a escrita genuína e a prática de se apresentar além das aparências
Toda semana, pelo menos uma pessoa escritora me conta que está desestimulada porque seus escritos não alcançam o público que esperava. Essa frustração aparece quando um post tem poucas curtidas, um reels não viraliza, ou os livros vendem pouco. A verdade é que muitas dessas pessoas acabam acreditando que o que escrevem não tem valor porque não vende.
Mas uma verdade precisa ser dita: não é porque algo vende, é visto ou repostado, que é bom. É só pensarmos nas fake news que se espalham como cheiro de peixe morto em dia quente , nas calcinhas da Shopee que laceiam na primeira lavagem, ou na Heineken que muita gente compra porque está na moda, mas que, na real, tem gosto amargo-forçado com leve toque de arrependimento.
Estamos falando de literatura. E este é um assunto delicado, especialmente em um país como o nosso, que foi colonizado para o trabalho, para produzir bens materiais em prol da exploração. A arte, por sua vez, não é vista como um bem de consumo, mas é um antídoto contra essa lógica. Ela desafia o capitalismo, incitando o pensamento livre e crítico — algo que não interessa ao explorador, pois vai contra o sistema de controle que sustenta o poder. E por isso, a literatura vende pouco.
Infelizmente, percebemos que alguns escritores se tornam reféns de likes, e começam a vender mentiras para gerar engajamento, a criar narrativas falsas que prometem mais do que entregam, tudo em nome de uma visibilidade passageira. Em vez de se concentrar no valor genuíno do que escrevem, acabam se perdendo no jogo das aparências, daquilo que é fácil de consumir e de digerir.

Não se pode comparar a arte, nem se dizer que um livro é melhor ou pior que outro – cada um tem seu público, sua proposta. Mesmo os escritores mais vendidos do Brasil não vivem apenas da venda dos livros, mas da literatura como um todo, e isso acontece por muitos motivos.
Então, como seguir? Criando uma rede de contatos, estreitando laços, divulgando o que você escreve, ocupando os espaços que lhe são de direito. Porque a arte resiste, mesmo quando não vende.
Se seus escritos conseguirem impactar e transformar pelo menos uma vida, já terá valido a pena.
E se você entende o que é criar sem ter a aprovação do grande mercado, apoie quem está na margem. Apoie os escritores iniciantes, os independentes, aqueles que estão fora dos holofotes, mas que continuam a escrever porque acreditam no que fazem. Não se trata apenas de consumir, mas de dar espaço e visibilidade para quem está começando, para quem está ali, batalhando todos os dias para fazer sua voz ser ouvida. A escrita não é uma competição; é uma rede de resistência, e quanto mais forte for a nossa rede, mais rica será a literatura que estamos construindo.
Pra continuar escrevendo
Você já escreveu seu autorretrato?
É isso mesmo que você leu. Muitas vezes, associamos o autorretrato à ideia de uma pintura ou de uma fotografia, mas ele não precisa ser isso. Um autorretrato pode ser muito mais do que uma imagem. Ele pode ser uma narrativa ou uma poesia.
A maneira como você se vê — e como os outros te veem — pode ser retratada de formas infinitas, sem limites para a criatividade.
Quando nos apresentamos, geralmente começamos com o básico: nome, idade, profissão. Mas será que isso nos define de verdade? Esses dados não dizem nada sobre nossa essência, nossas emoções, nossas complexidades. Eles não capturam a totalidade do que somos. Na verdade, essa forma de apresentação costuma ser uma máscara, uma forma de nos encaixarmos nas expectativas que os outros têm de nós.
Para esse exercício, vamos olhar para nós mesmos com outros olhos, sem as limitações do nosso papel social. Maria Bethânia canta sobre si mesma:
Eu sou o preto norte-americano forte
Com um brinco de ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música
A mais velha, mais nova espada e seu corteSou o cheiro dos livros desesperados, sou Gita Gogóia
Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
(Trecho de Reconvexo, escrita por Caetano Veloso, para Maria Bethânia)
Pense em como você é de verdade. Quais são suas qualidades mais marcantes? O que você faz quando ninguém está olhando? Do que você não tem medo? O que te torna uma pessoa única? Como você olha o mundo? O que te move? Quando é que seu coração bate mais forte? Liste essas (e outras) qualidades e, então, poetize-as. Não se preocupe com a perfeição da poesia. O objetivo aqui é expressar o que há de mais bonito e genuíno em você, como se estivesse através do olhar de alguém que te admira muito.
O que estou lendo…
A pilha de livros é enorme, mas o carnaval terminou, 2025 começou, tô atulhada de trabalho, então, não estou conseguindo ler nada, e tá tudo certo.
Semana que vem espero ter novidades.
Por (entre)linhas dessa semana fica por aqui. Eu espero que você continue criando com autenticidade. Nos vemos na próxima semana, com mais reflexões e, quem sabe, mais exercício de escrita para seguir explorando o que é verdadeiramente importante.
Se você acha que alguém pode gostar desse conteúdo é só clicar nesse botãozinho aqui.
Como sempre, Por (entre)linhas, contou com a leitura atenta e gentil de Guilherme Eisfeld, que essa semana está de parabéns por aturar a variação dos meus hormônios.
Mabelly Venson é uma matemática que se apaixonou pela escrita. É parteira de livros na Editora Toma Aí Um Poema e autora de “Tudo Que Queima”, “apenas mãe” e “GELO”, obras que focam nas complexidades do ser mulher.