Entrevista com Thomas Brenner, autor de “Canções Submersas” | Coleção Gralha Azul

Nascido em Curitiba em 1982, Thomas Brenner é poeta e vencedor do 17º Concurso Literário Mário Quintana (2021), com uma trajetória marcada por experimentações entre linguagem, memória e música. Autor de Desaforos, aforismos & outros foras e Ressurreição, Brenner tem poemas e contos publicados em diversas revistas e antologias literárias. Ainda criança, antes mesmo de conhecer os fundamentos da música, inventava melodias imaginárias — sons que, com o tempo, encontraram forma na poesia.

Em Canções Submersas, obra que integra a Coleção Gralha Azul, o autor reúne poemas escritos entre dois marcos profundos de sua vida: o início da pandemia de COVID-19 e o falecimento de sua mãe. Entre esses dois acontecimentos — duas tsunamis, como ele define — emergem textos marcados por cinismo, melancolia e uma escuta atenta dos ruídos que habitam o lodo da existência.

O livro é uma travessia lírica por uma cidade submersa, onde dor, perda e memória se condensam em versos intensos, fragmentados, pulsantes. Canções Submersas é, ao mesmo tempo, elegia e inventário, ironia e luto. Uma tentativa de fazer música com os estilhaços do que resta.

Nesta entrevista exclusiva ao blog da Toma Aí Um Poema, Thomas Brenner fala sobre os bastidores da escrita, o luto como matéria poética e o papel da poesia diante do que não se consegue dizer — mas que insiste em permanecer.

Thomas Brenner | Divulgação
Thomas Brenner | Divulgação

Fale um pouco sobre você — quem é Thomas Brenner na vida cotidiana e quem se revela quando você começa a escrever?

Meu nome é Thomas Rodolfo Brenner (Thomas Brenner). Sou musicoterapeuta e atuo na área há muitos anos. Já estudei piano e violão, e também fui vocalista de uma banda que tocava composições próprias — a maioria das letras era minha. Embora eu goste de cantar, nunca me senti completamente à vontade como frontman. Sempre me pareceu um lugar estranho para ocupar. Com o fim da banda, segui trabalhando exclusivamente como musicoterapeuta. Mas, em paralelo, nunca deixei de escrever.

Durante a graduação em musicoterapia, me interessava particularmente pelos debates sobre a música enquanto linguagem — uma questão polêmica, que não cabe aprofundar aqui, mas que me levou a explorar os vínculos entre música, linguagem e psicanálise, especialmente a partir da obra de Jacques Lacan.

No início da minha trajetória profissional, atendi crianças que, por diferentes razões, apresentavam impasses na linguagem. Minha atuação consistia em ajudá-las a construir uma voz possível — a partir de sons, ruídos, balbucios, canções, fragmentos de melodias ou palavras. Essa prática levou tempo para ser elaborada, e sinto que ainda devo à comunidade acadêmica um relato mais sistematizado sobre essa experiência.

Hoje continuo atuando como musicoterapeuta, em outros contextos e com outros públicos. Mas reconheço que foi naquela escuta das crianças que não falavam que encontrei um ponto de convergência entre música/musicoterapia, psicanálise e literatura.

Acredito que tudo isso atravessa minha escrita. Há nela uma tentativa de fazer com que as palavras funcionem como música — esvaziar os conceitos e as imagens para deixar apenas o afeto sonoro, quase como tirar a máscara de Apolo e revelar a face de Dionísio. Depois, se for o caso, os conceitos e imagens se reorganizam por conta própria.

Não sei se escrevo sempre assim — provavelmente não. Mas sei que esse é um dos fundamentos do que faço.

Como nasceu a ideia do seu livro Entrevista com Thomas Brenner, autor de “Canções Submersas” | Coleção Gralha Azul e por que você escolheu exatamente esse título?

Há algum tempo — provavelmente em 2006 — um colega me contou que o título do disco 10,000 Days, da banda Tool, fazia referência à mãe do vocalista, que sofreu um AVC e ficou severamente debilitada. O período entre o AVC e a morte dela foi de cerca de 27 anos — aproximadamente dez mil dias.

Minha mãe faleceu recentemente, vítima de um câncer. Recebemos o diagnóstico pouco antes do início da pandemia de COVID-19. A partir daí, foi uma sucessão de situações angustiantes — tanto em relação a ela quanto ao que acontecia no mundo.

No final do ano passado, minha mãe morreu. O período entre o Natal e o Ano Novo foi especialmente difícil. No dia 1º de janeiro de 2025, chovia de forma persistente. Olhei pela janela e vi um cachorro comendo algo que alguém havia jogado na calçada, bem em frente à minha casa. Aquela cena me pareceu, de algum modo, o encerramento simbólico daquele ciclo.

Quando comecei a organizar a livrete para a Coleção Gralha Azul, me lembrei do título do disco do Tool — e da maneira como ele evoca o tempo de uma espera dolorosa. Decidi, então, reunir poemas que escrevi entre o início da doença da minha mãe e o período que se seguiu à sua morte. Isso fazia sentido para mim, especialmente porque eu vinha de um longo tempo de inatividade literária. Curiosamente, voltei a escrever no primeiro dia em que a acompanhei ao hospital, para uma bateria de exames.

A ideia do título Canções Submersas surgiu depois de assistir a uma série sobre tsunamis. Passei a ver tudo o que aconteceu nesse intervalo — o câncer, a pandemia, o colapso político e social, o isolamento, a morte — como tsunamis que vinham em ondas, devastando a vida. Por isso dividi o livro em “ondas” (capítulos), como quem tenta medir a profundidade e a força dessas vivências.

Cada onda carrega seus próprios destroços, vozes e imagens que ficaram submersas. Imaginei o eu lírico como alguém sufocado, afogando-se — e, ainda assim, tentando cantar. E depois de tudo, aquela imagem final do cão, sobrevivente da ressaca, vivendo entre o que sobrou. Esse é o último poema da livrete.

Se tivesse que resumir sua livrete em três palavras, quais seriam e por que elas capturam a essência da obra?

Submersão, resíduo, voz.
A submersão representa o afogamento no tempo e na dor — é a imagem que sustenta a estrutura em “ondas” que organiza a obra.
Resíduo porque, após as perdas e catástrofes, o que permanece são escombros — mas ainda assim, matéria possível para o poema.
E voz, porque mesmo submerso, o eu lírico canta — ou tenta cantar — à sua maneira. A música da palavra ainda reverbera, mesmo que entre ruídos e destroços.

Durante o processo de escrita, houve algum momento em que a o livro te surpreendeu — uma descoberta sobre você ou sobre o tema que capturou sua atenção? Você poderia compartilhar com a gente?

Quando escrevi boa parte desses poemas, não imaginava que seria possível reuni-los em um conjunto com coerência interna. Eram textos dispersos, escritos em momentos distintos, a partir de experiências e afetos variados.

Mas, à medida que fui relendo, percebi que havia entre eles um fio condutor — algo que talvez eu ainda não tivesse nomeado.

A metáfora das ondas, da catástrofe aquática, acabou funcionando como eixo. Foi ela que me permitiu reunir esses poemas sob uma mesma maré — textos que, embora tratem de temas diversos, se conectam de forma estranha, subterrânea.

No fim das contas, eles formam um organismo: irregular, mutante, mas vivo.

Qual sentimento você mais espera despertar nos leitores ao ler seu livro: inquietação, nostalgia, esperança ou outro? E por quê?

Acho que a temática do livro é, inevitavelmente, sufocante e melancólica. Mas também há acidez e ironia. Então, apesar da dor, existe esse senso de humor estranho — que talvez, num jogo com o absurdo, ajude a contrabalançar o luto com um certo riso nervoso.

Gostaria de acrescentar mais alguma reflexão, comentário ou curiosidade sobre sua obra para os leitores perceberem melhor sua proposta?

Sinto apenas gratidão por poder compartilhar esses textos com as pessoas — permitir que os afetos circulem.


Onde comprar Canções Submersas, de Thomas Brenner

A Coleção Gralha Azul apresenta Canções Submersas, de Thomas Brenner — um livro que emerge entre duas grandes ondas: o início da pandemia de COVID-19 e o luto pela perda da mãe do autor. Entre o cinismo e a melancolia, os poemas se organizam como fragmentos de uma travessia profunda, onde dor, memória e palavra tentam resistir ao afogamento.

Com uma linguagem potente e imagens que reverberam entre o poético e o devastado, Canções Submersas transforma escombros em música — ou quase. São textos que se recusam a silenciar, mesmo quando tudo parece submerso.

🌊 Canções Submersas está em pré-venda exclusiva e pode ser adquirido no link:
👉 benfeitoria.com/gralha

Apoie a literatura independente, compartilhe afetos e receba esta obra intensa diretamente em sua casa.

Perguntar ao ChatGPT

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *