Entrevista com artista autista LGBTQIAP+ fundadora do CoAuti

Já se questionou acerca das vivências de pessoas autistas LGBTQIAP+ que trabalham no meio artístico? Nos últimos anos, a vida de pessoas autistas vem sendo cada vez mais exposta e, por vezes, debatida em diversos espaços da sociedade, dentre os quais as redes sociais e universidades. Na maior parte dos casos, são histórias de crianças autistas relatadas por pais neurotípicos que atingem esses meios e locais ao invés de experiências de adolescentes e adultos autistas narradas por eles mesmos. Frente a esse cenário, o cotidiano dessas pessoas costuma ser desconhecido por parcela considerável da população. Tendo isso em mente, foi realizada uma entrevista com Beatriz Haddad Ordones, artista autista, assexual e arromântica fundadora do Coletivo Autista da FAAC/UNESP (CoAuti), na qual cursa Design desde 2023. Essa entrevista visou responder às seguintes questões: como é a vivência de uma pessoa autista LGBTQIAP+ artista? Quais são suas experiências marcantes enquanto pessoa autista e artista? Como foi o processo de criação do CoAuti, como este funciona e quais seus planos? Necessário ressaltar que cada pessoa autista possui idiossincrasias (isto é, características particulares), sendo este o relato de apenas um membro da comunidade autista LGBTQIAP+ que está dentro do movimento artístico brasileiro. 

  No que concerne suas vivências, Beatriz contou ter sofrido episódios de bullying na infância e adolescência, época na qual se considerava “muito ingênua”. Além disso, disse ter experimentado confusão no que diz respeito às relações sociais, tendo ponderado que “ou todo mundo é um robô e eu sou normal, ou sou um robô e todo mundo é normal”. O fato de não ter tido um ‘crush’ no período da puberdade e isso ter sido percebido por colegas de turma, segundo ela, fez com que passasse por episódios de constrangimento, no qual meninas começaram a inventar-lhe um ‘crush’. No Ensino Médio, durante a pandemia, diagnosticada de TEA, conta que fez amizades através do chat da aula de biologia com outras pessoas da comunidade neurodivergente e/ou LGBTQIAP+, as quais mantém até o momento. Quanto à universidade, relata que “todo mundo é doido como eu”, sendo a turma composta, majoritariamente, de pessoas LGBTQIAP+.

Acerca de experiências marcantes, destaca os “vexames sociais” e o bullying sofridos no início da vida, assim como o acolhimento pela comunidade neurodivergente ao adentrar a universidade e a criação do CoAuti. Nesse sentido, percebemos como o autismo ora está associado a exclusão social e estigmatização ora a inclusão e pertencimento em grupos e espaços sociais a depender de aspectos do contexto e das pessoas envolvidas. 

Movida pela “necessidade de criar coisas”, Beatriz diz que “sempre fiz minhas artes”, tendo demonstrado interesse pelo campo artístico desde a infância, de tal modo que na adolescência começou a se dedicar com maior seriedade aos desenhos e após o Ensino Médio diversificou suas produções, aprendendo a costurar, bordar e tricotar. Com tristeza, conta dos 6 meses em que foi obrigada a parar de desenhar devido à dor crônica nos braços: “pior época da minha vida”. Com hiperfoco em calopsitas, declara que para ela a arte é “parte da existência”, “parte de como me relaciono com as pessoas”, “forma de conectar com as pessoas”. Além disso, narrou uma experiência significativa que teve aos 11 anos, na qual fez o desenho de uma pessoa triste a fim de praticar sua técnica e o mostrou para sua avó. Esta, por sua vez, lhe questionou do porquê ela estaria triste, ao que Beatriz disse que não fez o desenho a fim de mostrar seu estado interno. Ao contar essa história, destaca que algumas pessoas tentam compreender sua psique (isto é, como está se sentindo, o que está pensando) por meio da produção artística que realiza, a qual não tem essa finalidade. Refletindo acerca desse cenário, mostra dúvida quanto a razão de tentarem inferir quem é e como está a partir dos desenhos. 

Por fim, sobre o CoAuti, Beatriz comentou ter contatado um professor da faculdade a respeito da possibilidade de fundar um coletivo autista, tendo este lhe recomendado chamar a atenção dos estudantes para a neurodivergência e marcar uma reunião com os interessados. Nesta primeira reunião, para sua felicidade, vieram 17 pessoas. Hoje o coletivo, fundado em 2024, conta com mais de 40 membros, realiza reuniões presenciais e virtuais regulares, assim como palestras e exposições, dentre as quais a Ressonância – exposição artística de pessoas autistas na Unesp de Bauru. Atualmente, os membros do CoAuti estão se organizando para torná-lo um projeto de extensão com a finalidade de “fomentar a cultura de troca de experiências entre a comunidade autista e os interessados no campus”. Além disso, Beatriz afirmou que o coletivo tem planos de “ir para fora, para lugares que atendem pessoas autistas” a fim de mostrar que há pessoas autistas na universidade. Dessa forma, o acesso, inclusão e permanência dessas pessoas no Ensino Superior serão potencializados, tal como um ambiente cada vez mais acolhedor. 

Autora: Sophia Bicudo Passos da Fonseca.

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