Deus do Amor Furioso, de Guímel Bilac

Deus do Amor Furioso, de Guímel Bilac
Deus do Amor Furioso, de Guímel Bilac

Se há um Deus neste livro, ele não habita templos. Habita o corpo, a saliva, a saudade, o gozo, a ausência e a caixa torácica. Em Deus do Amor Furioso, Guímel Bilac reconfigura a relação entre fé e desejo, criando uma obra onde o divino e o profano não são opostos — são inseparáveis.

Este não é um livro de poesia religiosa. É um livro de poesia encarnada, onde Deus é metáfora, é presença, é rasgo, é pergunta. Bilac formula uma teologia íntima e urbana, capaz de rezar com os dentes cerrados, amar com a língua atenta e desejar com o pulmão cheio de fôlego poético.

🩸 Amor como pulsação mística

Logo no primeiro poema, o autor afirma:

“o amor se instala em nós
quando um nome comum passa a ser dito
como uma solenidade
[…]
como pesa o nome de Deus.”​

A força do nome — do dizer — se conecta diretamente à noção bíblica do “Verbo que se fez carne”. Bilac parte dessa premissa, mas a arrasta para o chão da vida, onde amar é aprender uma língua que não nos é materna​. O amor é exílio, é código, é idioma estrangeiro.

🔥 Erotismo e espiritualidade costurados na carne

Os poemas da série “coisa de Deus” e “desejo” são exemplos poderosos de como Bilac constrói uma teopoética do erótico. Deus está na fratura, no gosto, no toque, no mamilo, no suor. Mas essa fusão não é blasfêmia: é revelação.

“tua coisa
tem gosto
de céu”​

O corpo é sagrado não apesar de sua carne, mas porque é carne. O prazer é visto como pulsação divina. E, nesse sentido, a poesia se torna sacramento — o lugar onde nomeamos o que não cabia na doutrina.

⛓️ Fé, dor e a arquitetura da saudade

O livro também se dobra sobre o vazio: as ausências, as perguntas sem resposta, os votos quebrados. Em “ausência III”, o autor escreve:

“eu fiz um voto de tornar seu nome poeira,
deixando todas as janelas abertas”​

A memória é tratada como fragmento litúrgico, algo entre o luto e a devoção. E se amar é exílio, esquecer é missão impossível. Porque tudo volta à caixa torácica — esse lugar simbólico que aparece como torre de Babel, rodovia congestionada, sede da fé e do furor.

✝️ O Deus do poeta

O título do livro é preciso. O Deus de Guímel Bilac não é paz. É pulsação. É o Deus que habita o escândalo da linguagem, o excesso do sentimento, o grito interno que o poema tenta organizar. O poema “o poema de Deus II” sintetiza isso:

“Deus
está na polpa
da tua alma, do teu corpo
& de toda fruta”​

Esse Deus é afetivo, tátil, e sobretudo inventado. Como diz o último verso:

“Deus não existe,
Deus é.”​


📝 Considerações finais

Deus do Amor Furioso é um livro que nos obriga a reler o mundo com as entranhas. Não há distanciamento teórico, não há alívio. A poesia aqui é prece e erotismo, é ato devoto e insubordinado. É a literatura feita de tudo que não cabia nos salmos — mas que arde com a mesma intensidade.


Ficha técnica
Título: Deus do Amor Furioso
Autor: Guímel Bilac
Editora: Toma Aí Um Poema (TAUP)
Ano: 2024
Páginas: 68
ISBN: 978-65-6064-062-7
Gênero: Poesia contemporânea, teopoética, erótica, lírica urbana

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