Deixar a síndrome da impostora e escrever a partir das experiências inusitadas que a vida oferece
Entre as 400 pessoas que leem essa newsleterer, talvez eu não saiba exatamente quem é você que a lê nesse momento, mas de uma coisa estou certa: você escreve quando algo pulsa com força aí dentro, quando um pensamento, uma cena, uma memória não te deixa em paz até virar palavra. Você coloca tudo no papel, se entrega.
Me diga uma coisa: já aconteceu de, ao terminar de escrever, você sentir um frio na barriga e esconder o texto? Trancar, guardar, como se ao expô-lo, um amontoado de palavras sem sentido fosse revelado, como se não fosse bom o bastante? Já ouviu uma voz invisível dizendo que o que você escreve não é bom o suficiente?
Se você já sentiu isso, saiba que não está sozinhx.
Parece que a síndrome do impostor é uma velha companheira de quem escreve, não apenas de iniciantes e principalmente das escritoras mulheres. Trata-se daquela sensação persistente de que não somos boas o suficiente, de que o escritor é um tipo agraciado de divindade, digno de louvor e adoração (quem dirá o poeta!) e que nosso trabalho não tem valor, mesmo quando há evidências do contrário.
Isso acontece porque crescemos ouvindo que precisamos nos esforçar mais, fazer mais, entregar algo além de impecável. O patriarcado nos faz acreditar que nosso trabalho nunca é o bastante.
Hilda Hilst e Clarice Lispector também se sentiam assim.
Clarice evitava reler seus textos porque sempre achava que estavam ruins, como se cada palavra, após publicada, estivesse condenada.
Hilda, apesar de uma obra inegavelmente forte, tinha muitas dúvidas sobre seus textos.

Não importa quantos livros publicados, quantos leitores apaixonados, quantos prêmios na estante: a sensação de não ser bom o suficiente sempre encontra uma brecha para se infiltrar.
E sabe uma coisa que nos salva? Desengavetar. Mostrar nossos escritos. O que parece comum para nós pode salvar o minuto de alguém.
Agora, é importante escolher para quem mostramos.
Tem aquele “leitor bombom” que elogia tudo e enche nosso coração, mas também não aponta o que podemos melhorar.
Tem o leitor crítico, que nos faz crescer ao mostrar o que pode ser lapidado.
E existe também aquele leitor ressentido, que destila sua própria insegurança em forma de críticas destrutivas ao nosso trabalho.

Ter consciência de que um texto pode ser lapidado, que a escrita é um processo e que sempre há espaço para crescimento, é importante. Mas existe uma diferença entre reconhecer a necessidade de ajustes e aprisionar seus textos para sempre, esperando uma perfeição que nunca chega. O medo de não ser bom o bastante não pode impedir que suas palavras alcancem o mundo.
Além de compartilhar, estudar e acreditar no próprio processo são fundamentais. Se você ainda não se sente seguro para mostrar ou publicar seus textos, há outras opções: fazer oficinas de escrita (sérias por favor, que além das dicas de escrita dê atenção aos seus textos), participar de mentorias ou contratar uma leitura crítica. Todas essas ferramentas podem te ajudar a enxergar seu próprio trabalho com mais clareza e confiança.
Então, cerque-se de quem quer te ver crescer. Confie na sua voz. Seu texto merece ser lido, e acredite: tem muita gente procurando exatamente aquilo que você escreveu.
Pra continuar escrevendo
Há algum tempo me foi proposto um exercício de escrita que resultou no meu conto preferido, publicado na edição de fevereiro do Jornal RelevO. O exercício consistia em lembrar de algo inusitado que aconteceu comigo e transformá-lo em ficção.
Vou contar minha situação inusitada para você: eu e meu namorado estávamos indo para o teatro quando um homem em situação de rua nos pediu um isqueiro. Ele estava sentado sob uma marquise, pintando as unhas do pé com esmalte preto. Não queria o isqueiro para acender um cigarro, mas para acender incensos. Não bastasse isso já ser muito curioso, quando estávamos saindo, ele gritou: “E não façam sexo na rua!”
Foi ou não foi uma situação muito peculiar?
É incrível como a vida, com seus pequenos detalhes, nos oferece oportunidades para criar ficção. Às vezes, um momento como esse pode se transformar em uma história.
Gostaria de sugerir que tente esse exercício também. Busque algo inusitado que tenha acontecido com você e se permita explorá-lo de forma ficcional. O resultado pode surpreender.
E, para quem quiser conhecer o resultado desse exercício, narro o conto abaixo.
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O que estou lendo
Uma das minhas maiores paixões é pegar livros emprestados na biblioteca. Pra mim, há algo de mágico na fichinha de devolução. Algo nela me conecta à história do livro, às mãos que o pegaram antes de mim, ao ciclo que se renova a cada empréstimo.

Nos últimos dias, peguei dos livros (e até parece que vou conseguir ler os dois em 15 dias).
O primeiro é Contos de Amor Rasgados, de Marina Colasanti. Os contos curtos, revelam a fragilidade e as complexidades dos sentimentos humanos, muitas vezes com um toque de melancolia.
O outro livro é Amada, de Toni Morrison, uma autora que sempre me encanta. Amada é um romance que conta a história de uma ex-escravizada que vive com sua filha e um fantasma.
Se você ainda não os conhece, vale muito a pena conferir!
Por(entre)linhas, dessa semana fica por aqui. Espero que você continue escrevendo, se permitindo explorar suas ideias e, mais importante, vencendo a síndrome do impostor.
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Mabelly Venson é uma matemática que se apaixonou pela escrita. É parteira de livros na Editora Toma Aí Um Poema e autora de “Tudo Que Queima”, “apenas mãe” e “GELO”, obras que focam nas complexidades do ser mulher.