Segundo Gergen e Gergen, 2010, não há Verdades com “V” maiúsculo (naturais, absolutas, universais), mas sim verdades com “v” minúsculo (relativas, localizadas) e os seres humanos são constituídos nas relações, perpassados por linguagens que estruturam discursos, os quais parem a(s) realidade(s); ou melhor constroem a(s) realidade(s), tendo em vista que não temos acesso a Realidade, apesar dessa existir. Assim, não há um conhecimento Verdadeiro, mas sim conhecimentos verdadeiros que embasam discursos com consequências diversas (por exemplo, o discurso de um “sexo” natural implica no entendimento de uma realidade natural binária que seria universal). Tendo isso em mente, a seguir trarei conceitos e teorizações sobre “sexo” e “gênero”, os quais são verdades com “v” minúsculo, que, na minha concepção, estruturam um discurso relevante e importante. Realizarei esse empreendimento visando esclarecer minha tese de que não se nasce menina ou menino.
De acordo com a escritora francesa Monique Wittig, 2022, a categoria “sexo” é compulsória, pois é a primeira definição, obrigatória, no estado civil (“é uma menina”, “é um menino”), política (funda a sociedade enquanto heterossexual) e totalitária. Além disso, segundo essa autora, é uma construção social (o sexo não existe), logo não natural, não absoluto e não universal, que concebe o pensamento dominante do “sempre foi assim”, controlando toda produção mental. Dessa maneira, a categoria “sexo” estrutura, na sociedade ocidental e nas relações, papéis sociais, expectativas e limitações aos seres, os quais têm seus corpos intencionalmente nomeados conforme um agrupamento de partes, aleatórias, (denominadas socialmente de órgãos sexuais).
Para além disso, segundo Judith Butler, para Foucault
“[…] ser sexuado é estar submetido a um conjunto de regulações sociais, é ter a lei que norteia essas regulações situada como princípio formador do sexo, do gênero, dos prazeres e dos desejos, e como o princípio hermenêutico de autointerpretação. A categoria sexo é, assim, inevitavelmente reguladora” (2022, p. 168, meus grifos)
Assim, dividir os corpos, desde o nascimento, através da, construída, categoria “sexo” implica submeter os seres, agora sexuados, a regulações sociais baseadas em discursos do que é natural para “meninos”/“meninas”, “homens”/“mulheres”; discursos esses que impõem sistematicamente, no dia-a-dia, por meio da linguagem (desinências, pronomes), dos códigos de conduta e da violência (física, verbal, simbólica) determinado “gênero” às pessoas (para corpos tachados como “mulher”, o gênero “feminino”, para corpos tachados como “homem”, o gênero “masculino”).
Logo, se não há naturalmente corpos sexuados, nem tampouco caráter natural, normal e típico de corresponder ao “sexo” pelo qual foi designado no nascimento (isto é, Ser cisgênero), já que “o gênero é sempre um feito” (BUTLER, J. 2022, p. 56), atos repetidos performaticamente, como estilo(s) corporal(is) (BUTLER, J. 2020), não há “meninos”/“meninas”, “homens”/“mulheres” per se, mas sim olhares construídos e mantidos (em restrições, regulações, punições) para que enxerguemos a realidade como sendo naturalmente estruturada dessa forma. Nesse sentido, não é uma menina, não é um menino, é um ser humano que nasce. Seres humanos podem tornar-se “meninos”/“meninas” nas relações; porém, não necessariamente. Isso porque o Ser não exige/pede sua sexualização; a organização da sociedade respaldada no discurso da categoria “sexo” como natural é uma escolha política, não algo dado/pronto. Assim, não se nasce menino ou menina, se faz “menino”/“menina” (ou não), envolto em discursos históricos e contextuais.
Referências
BUTLER, J. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. 22ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2022
BUTLER, J. Atos performáticos e a formação dos gêneros : um ensaio sobre a fenomenologia e teoria feminista. In: DE HOLLANDA, H. B. Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020. p. 213-230
GERGEN, K.J. & GERGEN, M. Construcionismo social: um convite ao diálogo. Rio de Janeiro: Editora Noos, 2010
WITTIG, M. O pensamento hétero. 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2022
Sophia Bicudo Passos da Fonseca. Autora do livro “Escritos Poetizados”, publicado pela editora Grupo Atlântico Editorial através da chancela Primeiro Capítulo, do poema “Confinamento Final” integrante da “Coletânea de Poemas Feministas Bertha Lutz”, publicado pela editora Persona, do poema “Dizeres ao Viver” integrante da coletânea “LGBTQQICAPF2K+: O Amor é gigante”, publicado pela editora Toma Aí um Poema, do poema “Protetivos além tecidos”, publicado pela editora VersiProsa na coletânea “PoesiaBR#01” e do artigo “O(s) feminino(s) na obra Identidade“, publicado no jornal Holofote. Atualmente cursa psicologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.