A descoberta dos encontros: conheça “deixe o bando correr selvagem”, estreia da poeta baiana Catharina Azevedo 

“Fazer arte é bobagem, digo
mas, todo o resto,
também bobagem.”

Trecho do poema “Desço a Carlos Gomes”, de Catharina Azevedo

“Este não é um livro de poemas sobre a bruteza terrosa e avassaladora dos sentimentos. Estes poemas se apresentam como um corpo que caminha a imensidão da aridez da existência, da geografia dos conflitos internos, dos solos rochosos das desvelações, ansiando longo e firme, à espera, enquanto caminha, tropeça e duvida, até que finalmente esteja diante da imensidão azul dos desejos mais profundos do coração.” 

Trecho do posfácio do livro, assinado por Hosanna Almeida

Livro de estreia de Catharina Azevedo, “deixe o bando correr selvagem” tem como proposta registrar a tentativa de apreender a descoberta do mundo, do corpo e da cidade de Salvador (BA). Publicada pela Mormaço Editorial (2022, 80 pág.), a obra conta com o posfácio assinado pela compositora, cantora, poeta e também soteropolitana Hosanna Almeida.

A obra nasceu em tempos pandêmicos. “A poesia nasce onde a voz cala. Foi o espaço que encontrei para exprimir o que pensava e não conseguia em qualquer outro meio”, explica Catharina. Com isso, surgiu a ideia da obra. “A expansão, essa vontade da descoberta do mundo, é o tema central do livro. Esse desejo pelo ‘sim’. Mas existem também alguns ecos da infância, que eu acho um período fantástico, em que tudo se pode, e você tem essa tapeçaria rica em imagens e associações. Para mim, o livro se desenrola entre o ‘eu’, a ‘casa’ (ou o umbigo) e o ‘mundo’”, define a poeta.  “Houve muito mal-estar, físico, mesmo. Foi um livro por vezes difícil de conceber e que ainda é, pra mim, difícil de ler, às vezes.”

Hosanna Almeida chama a poética que a Catharina constrói de abissal, usando a composição de palavras mulher-abissal para falar da voz dos quarenta poemas que compõem o livro, desse eu-lírico que se faz entre referências de ruas de cidade, mitologias, amizades, música clássica e outros pilares que ganham contornos sensoriais a partir de versos livres e poemas em prosa com destinatário certo. O abissal vem de água, do mergulho necessário para escrever, se descobrir, se perceber pessoa. A mulher vem de algo mais, dos diferentes arquétipos femininos que a Hosanna vê na escrita da autora e na forma em que eles se manifestam. 

Segundo ela, a mulher-abissal sabe que não pode ser sozinha, embora seja, embora esteja; e por essas contradições, se estabelece o jogo poético de Catharina: o que constitui é o que a repele; o que a atraia é o que a mutila. E completa: “ela sabe que carrega ‘essa multidão dentro de mim’, que o cronista Rubem Alves chamou, pela inspiração da parábola bíblica, de legião. Somos muitas, somos plurais, somos iguais. Desses vários Eus, que convivem — ora pacificamente, ora belicosamente — nesse terno, e às vezes neurótico Eu poético outrobiografado.”

Entre Sylvia Plath, Anne Sexton e Clarice Lispector

“deixe o bando correr selvagem” foi inspirado em poemas, ideias e idealizações, não livros. Sylvia Plath e Anne Sexton, por exemplo, se fazem presentes na obra não com referências explícitas aos seus versos, mas pela ideia que Catharina criou de quem elas foram. 

“Acredito que haja um quê simbolista que roubei, não sei se de forma consciente, da Sylvia Plath. Gosto muito de uma biografia antiga, escrita pela Anne Stevenson, que defende que a Sylvia não escreveu uma poesia confessional, mas simbolista; olhando os versos, está tudo ali, realmente”, reflete. “Durante a escrita do livro, eu também estava interessada na Anne Sexton; mais especificamente na ideia da Anne, cuja obra conheço pouco, do que na concretude do que ela deixou. Isso às vezes acontece comigo.” Além disso, a estreante baiana destaca o poema “Helen of Troy Does Countertop Dancing”, de Margaret Atwood.

Catharina Azevedo nasceu em Salvador, em 1997, e é a segunda das três filhas de sua mãe. Cursa atualmente o Bacharelado Interdisciplinar em Artes, na Universidade Federal da Bahia. Gosta de ler e de escrever desde sempre, isto é, desde que começou a entender o que eram as letras e como elas permitiam a contação de histórias. Suas influências literárias passam pelas crônicas de Clarice Lispector, já que ela se identifica mais com a escrita clariciana quando ela se trata do que está mais próximo de nós, meros mortais, e ao jeito colossal de sentir, de escrever, associado a um esmero quanto à palavra, presente nos poemas de Drummond. 

Confira trecho do poema “Exercício”, de Catharina Azevedo, em “deixe o bando correr selvagem”:

“Antes de dizer ‘eu te amo’, 

tratar de amar os seguintes objetos:

uma pena,

uma nuvem.

A tecla gasta de um piano,

uma pedra qualquer,

escolhida à sorte.

Uma caneta preta.

Um brinco sem pino,

inutilizável.

Uma moldura de espelho,

um travesseiro,

uma rua,

e um gato vadio.”

Sobre a Mormaço Editorial

Concebida em defesa da literatura autoral feita no Nordeste, a Mormaço Editorial promove a valorização da pluralidade, dando visibilidade a autores independentes e estreantes no cenário editorial. A marca baiana é uma iniciativa dos escritores Maria Luiza Machado e Daniel Pasini. Recentemente passou a investir em e-books para ampliar o público leitor, tornando as obras mais acessíveis.

A Mormaço Editorial também é responsável pela Revista Mormaço, publicação que reúne textos produzidos por uma equipe fixa de escritores e também enviada por voluntários e colaboradores. 

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