O cansaço feliz de quem sobrevive a cinco dias de literatura

Cinco dias intensos na Flip deixaram minha cabeça girando e o corpo exausto – mas a alma irradia alegria. Retornei para casa carregando não só livros e blocos de notas cheios, mas uma sensação de cansaço feliz. Cada noite mal dormida valeu a pena. Em vez de assistir apenas às mesas oficiais com grandes nomes, mergulhei de cabeça na programação paralela independente: saraus em pontes da cidade, bate-papos nas ruas históricas e, principalmente, nas “casas literárias” onde editoras e coletivos se reúnem. Foi nesse universo alternativo que encontrei os momentos mais marcantes e autênticos da festa.

River side in Melaka

Casa Gueto: lançamento e mesas literárias

Logo no primeiro dia do festival, estive na Casa Gueto, que abriga editoras independentes. Lá lancei meu livro e participei de mesas literárias ao longo da tarde. O clima era acolhedor: pencas de escritores rodeavam nossas mesas, discutíamos textos à sombra das bananeiras e sentíamos o cheiro do café junto com o papel recém-impresso. Ao lado de outros autores independentes, percebi que ali todos partilhavam as mesmas angústias e esperanças – não tinha distinção entre “celebridade” e iniciante, apenas gente falando do ofício de (tentar) viver de literatura. Cada conversa rendia novas ideias para o próximo livro e, às vezes, um sorriso cansado no rosto de alguém que acabara de encarar uma hora de autografo sem fila. Senti que, ao contrário da sofisticação das salas oficiais, na Casa Gueto o aprendizado vinha da troca simples e sincera: um escritor sentado no chão trocando figurinhas literárias. Esses encontros me deram energia para seguir fazendo história, apesar do corpo a gritar pela cama.

Happy Hour na Casa PublishNews

Entre as tardes tumultuadas, um dos eventos mais lembrados foi a do Happy Hour da Casa PublishNews. Depois de longos debates e painéis formais, e a casa abriu espaço para a descontração. Um certo alívio pairava no ar – sentimos o suor da cerveja gelada e o calor humano das pessoas ao redor. Lá encontrei autores de quem sou fã, editores influentes do mercado editorial e até empresários curiosos sobre a cena brasileira. Entre uma piada e outra sobre nossos perrengues literários, ouvi um curador contar sobre rejeições no passado, vi um jornalista dançando desajeitado de felicidade e vi um colega de coletivo brindar a um ano de publicação. Foi nesse ambiente alegre que o cansaço se transformou em algo celebratório. Em vez de reclamar da voz rouca e dos pés doloridos, brindamos nossos esforços. Senti que o festival não era só palco e conferência: a festa também estava ali, no copo tilintando e na conversa espontânea, provando que literatura pode (e deve) ser compartilhada num bate-papo leve. A noite passou rápido, mas cada risada ficou registrada na memória.

Encontros e conexões pessoais

O mais rico de tudo foi o contato humano. Em cinco dias, reencontrei amigos escritores que só vejo online; apertei as mãos de autores admirados desde adolescente; abracei colegas de profissão que percorrem um caminho parecido. Conhecer pessoalmente esses amigos e profissionais do mercado editorial foi muito legal – ganhei até pedidos autógrafos inesperados de leitores que vieram me procurar disfarçadamente (kkk brincadeira). Troquei ideias e cartões de visita ao acaso, senti a empatia de quem partilha os sonhos e pesadelos de escrever. Isso me lembrou que não estamos sozinhos nessa estrada: cada elogio sincero, cada conselho dado num corredor após uma mesa, valeu mais que qualquer prêmio ou venda de livro. Esses abraços e conversas deram corpo a uma rede invisível de apoio. Ao conhecer de perto autores, editores e jornalistas com quem só falava por redes sociais, percebi que de fato formamos uma comunidade vibrante. A Flip, às vezes, pode parecer agitada demais com grandes palestras – mas foram nessas conversas despretensiosas, longe dos holofotes, que me senti parte de algo maior. Descobrir quem está atrás da tela e um exemplar escrito foi inspirador. E, claro, perceber que todo mundo ali vive do mesmo sufoco – divide a mesa de bar e o mesmo barulho de página sendo virada – reforçou minha paixão pela escrita.

Lições e reflexões principais

Ao fim desses dias frenéticos, trouxe uma lição que supera todas as técnicas de escrita que aprendi: o importante é viver o momento. Voltei para casa com a convicção de que nenhum sonho literário se realiza da noite para o dia. Torna-se cada vez mais claro que nós, autores, costumamos nos angustiar demais com prazos e metas. Nesses dias em Paraty descobri que não adianta se frustrar porque o sucesso demora; ao contrário, cada segundo de convivência e cada gota de cansaço fazem parte do caminho. Aprendi que devemos nos concentrar no que está acontecendo agora – uma conversa à tardinha, um sorriso de leitor, um brinde após um lançamento – em vez de já planejar o que terá daqui a dez anos. Senti na pele que cada momento intenso, até mesmo o sono interrompido às 2h da manhã pelas ideias fervilhantes, é precioso. Em síntese, as principais lições que levo comigo são:

  • Aproveitar cada conversa e cada brinde como parte da jornada, sem ansiedade pelo futuro.
  • Valorizar as conexões inesperadas com amigos, leitores e colegas, pois elas alimentam a nossa paixão pela literatura.
  • Entender que o “cansaço feliz” é sinal de dedicação – e cada esforço valeu a pena, mesmo sem aplausos imediatos.
  • Aceitar que o reconhecimento literário é uma construção longa; o que importa é saborear cada etapa, não só o resultado final.

Com essas lições, vou me afastando gradualmente da Flip – carregando uma mochila pesada, mas leve de propósito. É engraçado: a mente ainda ferve com anotações e ideias, e o corpo geme de vontade de descansar, mas a verdade é que esse cansaço parece um troféu. Ele me lembra que, nas últimas 120 horas, vivi cinco dias de literatura de alma aberta, seguindo cada passo do caminho, e isso não tem preço. Com o coração cheio, sei que sobrevivi – e celebrei – cada instante desse festival inesquecível.

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