A Leitura Sobrevive ao Algoritmo?

É cada vez mais difícil imaginar a literatura fora da lógica das redes sociais. Hoje, o livro que não aparece no feed parece não existir. Trechos virais, vídeos emocionados, rankings baseados em likes. O algoritmo não apenas nos entrega o que supostamente queremos — ele nos molda para querer aquilo que entrega.

E no meio disso tudo, fica a pergunta incômoda: a leitura, com tudo o que ela tem de pausa, silêncio, densidade e resistência, ainda sobrevive ao algoritmo?

Foto Jéssica Iancoski | Divulgação
Foto Jéssica Iancoski | Divulgação

O livro precisa performar para ser lido?

Nas redes, o livro virou produto de engajamento. Não basta ser bom — precisa ser “reelsável”, tiktokável, resumível em frases de efeito. Precisa caber numa estética, numa trend, num momento. Até o choro do leitor virou argumento de venda.

Isso trouxe visibilidade para autores antes ignorados. Democratizou o acesso. Criou comunidades literárias vibrantes. Sim, isso tudo é verdade.
Mas também é verdade que o livro que não performa é engolido pelo silêncio da timeline.

E o que não viraliza, desaparece.


Escrever para o algoritmo é deixar de escrever para o humano?

O maior risco de tudo isso não é a literatura se digitalizar. É a literatura se algoritimizar.
Autores passam a escrever pensando na frase que será printada. No trecho que caberá em arte gráfica. No gancho do vídeo.
E quando isso se torna o objetivo principal, o processo criativo é contaminado por uma lógica que não é literária — é de performance.

Escrever para ser lido sempre foi o desejo.
Mas escrever apenas para ser curtido é outra coisa.


Leitura lenta em tempos acelerados

A leitura profunda é um ato de desaceleração. Ela exige entrega.
Exige parar de rolar a tela.
Exige ficar sozinha com o texto e consigo mesma.

E talvez seja por isso que ela incomoda tanto o ritmo das redes: porque ela exige um tempo que o algoritmo não reconhece.

Num ambiente que valoriza velocidade e reação imediata, o livro longo, a poesia densa, o romance experimental — tudo isso parece fora de lugar.

Mas talvez seja exatamente por isso que a leitura é tão necessária agora.


A leitura resiste — e reinventa

Apesar de tudo, os leitores continuam existindo. Continuam buscando refúgio, provocação, reinvenção.
Alguns descobrem livros pelo TikTok e depois vão além.
Outros começam com frases soltas no Instagram e acabam mergulhando em narrativas que não cabem em post nenhum.

A leitura não precisa se opor ao digital — mas precisa recusar o empobrecimento que o algoritmo tenta impor.

Não se trata de romantizar o passado. Mas de recuperar o valor da atenção plena num mundo de distrações.


Conclusão: a leitura sobrevive — porque a gente insiste

A leitura sobrevive, sim. Mas não porque o algoritmo quer.
Ela sobrevive porque há quem insista em lê-la fora das regras.
Quem aceite o silêncio, o tempo longo, a dúvida, a lentidão.
Quem leia mesmo que ninguém veja.
Quem publique mesmo que não viralize.

Porque no fim das contas, ler sempre foi um gesto de contracorrente.

E enquanto houver quem leia por desejo — e não por engajamento — a literatura seguirá viva.


Jéssica Iancoski

Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.

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