A ousadia e a coragem de ler e contar histórias que incomodam.
Olá, para você que está por aqui. Pega um café, um chá, porque hoje vou conversar.
Não sei se você conhece meus livros. Mas, se conhece, sabe que, na maioria das vezes, trato de assuntos que incomodam.

Acontece que sou mulher, e isso é coisa demais para se carregar em um corpo. E olha lá que o fato de ser branca, cis e hétero me concede alguns privilégios. Eu fico muito, muito, mas muito incomodada em pensar o que atravessa o corpo de uma mulher preta, de uma mulher lésbica, de uma mulher trans.
Essa semana, aconteceram algumas coisas que me levaram a refletir sobre isso e trazer este tema aqui na news:
- Primeiro, que o ano mal começou, e já passei por algumas situações de assédio velado. É incômodo demais ser comida com os olhos, mesmo estando acompanhada;
- Finalmente consegui ler Vista Chinesa, da Tatiana Salem Levy! Ele chegou às minhas mãos no sábado passado, durante um passeio despretensioso a um sebo. Não resisti e devorei o livro em 24 horas!
- Também tive uma conversa com uma colega, que reforçou a necessidade de que algumas histórias precisam serem contadas;
- E por último, a continuação do meu livro apenas mãe, que está batendo na porta para nascer.
Você já parou para pensar em quantas histórias temos receio de contar?
Sempre acho que as melhores histórias da literatura são aquelas que carregam o peso do que é real.
Isso se chama Literatura Insurgente: muito mais do que a coragem de tratar de assuntos considerados feios ou incômodos que varremos para debaixo do tapete, é a expressão de histórias que desafiamos o medo de contar, mesmo sabendo que podemos ser censuradas. É a voz que insiste em existir, trazendo à tona o que precisa ser dito, ainda que doa, ainda que desafie.
Em apenas mãe, escrevo um retrato cru e cruel da maternidade. A personagem “mulher” (com “m” minúsculo, sem nome próprio) é uma colagem de várias mulheres e suas histórias. Nesse processo, emerge a solidão da maternidade — não apenas a ausência de companhia, mas o sentimento de apagamento. Uma solidão que se faz em muitas, mas que poucas ousam expressar.

Em outro momento, escrevendo GELO, passei a observar mulheres e criar histórias: Antes, quem era essa mulher que hoje usa um vestido triste e feio? O que se passa com essa outra que calça sapatos verdes, aparentemente limpos? O que pensou aquela outra, minutos antes de cometer o crime?
Essas mulheres ganharam vida própria, mas percebi que muitas pessoas ficavam preocupadas comigo e perguntavam amiga, você tá bem?, ou, isso tudo aconteceu com você?, confundindo a personagem com a autora.
Os temas insurgentes têm um papel muito importante dentro da literatura. Eles abrem espaço para conversas difíceis, desafiam convenções e põem sobre a mesa o que muitas vezes preferimos varrer para debaixo do tapete. Livros que enfrentam essas questões frequentemente rompem barreiras e alcançam reconhecimento por sua coragem.

Além de Vista Chinesa, outros livros como O Acontecimento, de Annie Ernaux, e Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, Canções de Amor e Desterro, de Cidinha da Silva ilustram a força da literatura insurgente. Cada uma dessas obras aborda temas que incomodam: o corpo negro, a violência, o aborto, a pobreza.
Já leu algum desses livros, ou quer recomendar outro?
Essas narrativas mostram que a literatura pode ser uma arma de resistência.
Escrever um poema, um conto ou um romance baseado em uma história real não significa que ele seja verídico. É aí que entra a mágica da ficção: transformar o real, recriá-lo. Essa liberdade permite a possibilidade de explorar camadas mais profundas, ampliando a experiência para além dos limites.
Nas histórias que escrevo, qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Me inspiro em mulheres reais, em vivências que me cercam e no que observo. A linha entre a realidade e a ficção, às vezes, se mistura.
A ficção sempre carrega um pedaço da verdade – mesmo que não seja a minha.
Já escreveu algo insurgente? Algo que desafia o convencional, que toca em temas que incomodam?
Se você ainda não escreveu, mas pensa em fazê-lo, saiba de uma coisa: para publicar literatura insurgente é preciso ousadia e coragem. Não se trata apenas de escrever, mas de expor, de dar voz a algo que muitos preferem ignorar ou silenciar. E, mais do que isso, é preciso estar preparado para lidar com as críticas. A literatura insurgente, por sua natureza, desafia o status quo e incomoda muita gente.
Estar disposto a enfrentar a resistência, os questionamentos e até a censura faz parte do processo.
Para continuar escrevendo…
Ficcionalizar algo real é como segurar uma lente de aumento. Pegue uma história que você conhece, uma cena que você viu e altere um detalhe essencial. Mude o cenário, o final, ou mesmo o protagonista. Pergunte-se: e se?

Escreva. Incomode. Insurja-se.
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Mabelly Venson é uma matemática que se apaixonou pela escrita. É parteira de livros na Editora Toma Aí Um Poema e autora de “Tudo Que Queima”, “apenas mãe” e “GELO”, obras que focam nas complexidades do ser mulher.