O Livro Não Pode Ser Apenas um Produto

Foto: Jéssica Iancoski
(Divulgação: Jéssica Iancoski)

Nos últimos anos, tenho visto o livro ser tratado cada vez mais como mercadoria.
É capa chamativa, algoritmo, estoque, planilha, palete.
É código de barras, demanda, pitch de venda, escassez fabricada.
E eu não estou aqui para negar o aspecto material da publicação — sei o quanto custa imprimir, diagramar, distribuir. Mas preciso dizer com todas as letras:

o livro não pode ser apenas um produto.

Quando reduzimos o livro ao que ele vende, ao que ele lucra, ao que ele viraliza, a gente esquece para que ele nasceu.
E o livro, antes de ser objeto, é linguagem.
É forma de existência.
É testemunho.
É conversa entre vivos e mortos.
É instrumento de revolta.
É abraço pra quem nunca foi lido por ninguém.

O mercado editorial, em sua lógica mais dura, pergunta: “Quantas cópias vende?”
Mas eu prefiro perguntar: “Quantas vidas toca?”

Quantas pessoas se viram em uma página pela primeira vez?
Quantas entenderam que não estavam sozinhas porque encontraram uma voz parecida com a sua?
Quantas choraram, gritaram, sonharam com um texto que nunca ganharia selo de best-seller?

A lógica comercial nos faz acreditar que só merece circular aquilo que performa bem.
Mas a literatura nunca foi sobre performance. Ela é sobre permanência.

Um livro pode vender mil cópias e não deixar rastro.
Outro pode ser lido por três pessoas e mudar três mundos.
O que pesa mais?

Na Toma Aí Um Poema, escolhemos publicar livros que talvez não cheguem aos rankings, mas que chegam a quem precisa. Livros que abrem espaço para a estreia, para a dor que nunca foi dita, para a linguagem que ainda não tem nome. Livros que não nasceram para ser “produto certo”, mas gente impressa.

Isso não significa romantizar o prejuízo, ou ignorar que precisamos pagar contas.
Significa entender que nem tudo que importa pode ser medido em unidades vendidas.
Significa lembrar que a função do livro também é formar imaginários, reconstruir memórias, devolver voz, criar mundos onde caibamos todos.

Se o livro virar apenas produto, perdemos o que há de mais sagrado nele: a possibilidade de afetar.

E nesse caso, não é a literatura que fracassa.
É o sistema que falha em reconhecer sua verdadeira potência.


Jéssica Iancoski

Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.

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