Eu Não Acredito que Existam Livros Ruins

Foto: Jéssica Iancoski
(Divulgação: Jéssica Iancoski)

Dizer que um livro é ruim sempre me soa como uma sentença precipitada. Como se houvesse uma régua universal, objetiva, infalível — e, sinceramente, eu desconfio de qualquer régua que tenta medir subjetividades. Não acredito que existam livros ruins. Acredito que existam livros que não nos atravessam — e isso é diferente.

A leitura é um encontro. E, como todo encontro, depende do tempo, do estado de espírito, da bagagem, do contexto, da escuta. Um livro que hoje não faz sentido para mim, pode me tocar profundamente daqui a cinco anos — ou pode ter tocado outra pessoa, em outra geografia, com outra história de vida.

A ideia de “ruim” carrega um peso que me incomoda. Porque esconde, muitas vezes, o que de fato está sendo dito: que o texto não atende a certas expectativas formais, mercadológicas, estéticas — geralmente moldadas por referências hegemônicas, elitizadas, eurocentradas, academicamente validadas. Mas quem disse que isso é a única medida possível para julgar a potência de uma obra?

Ao longo dos anos, publiquei livros escritos por vozes que nunca tinham sido ouvidas. Gente que escreve com erros de ortografia, com frases longas demais ou curtas demais, com ritmo próprio, com vocabulário fora do padrão. E esses textos, muitas vezes, carregam uma força que nenhum curso de escrita criativa pode ensinar: a força da verdade vivida.

Chamar um livro de “ruim” é ignorar que ele pode ter sido a única forma que alguém encontrou para existir. Para sobreviver. Para organizar o caos. Para amar. Para denunciar. Para lembrar. Para dizer “eu estive aqui”.

É claro que existe o debate sobre revisão, estrutura, coesão, acabamento. Isso é legítimo, sobretudo em processos editoriais. Mas mesmo isso é relativo. Às vezes, o que parece falha é, na verdade, estilo. Gesto. Escolha. Resistência.

Como editora e leitora, aprendi a olhar os livros com curiosidade, não com julgamento. A me perguntar: o que esse texto está tentando me dizer? O que ele mobiliza em mim? Para quem ele foi escrito? Por que ele existe?

Porque o que me interessa não é o livro perfeito — é o livro que pulsa.

E esse, eu garanto, está por toda parte: em zines, em cartas, em diários, em postagens, em livros artesanais, em brochuras de cinco exemplares. A literatura acontece onde há linguagem em estado de urgência.

Então não, eu não acredito que existam livros ruins. Acredito que há livros que ainda não foram lidos com o cuidado que merecem.


Jéssica Iancoski

*Jéssica Iancoski (1996) é editora, poeta e articuladora cultural. Presidente da Associação Privada Sem Fins Lucrativos Toma Aí Um Poema, a primeira editora no modelo ONG do Brasil, já faturou mais de R$ 1 milhão no mercado editorial, consolidando-se como referência em inovação e impacto social. Graduada em Letras (UFPR) e Psicologia (PUCPR), com especializações em Gestão de Projetos e Negócios, é autora de mais de 10 livros, incluindo A pele da pitanga (finalista do Prêmio Jabuti). Reconhecida por sua atuação inclusiva, publicou mais de 2 mil autores e produziu mais de 1.500 poemas audiovisuais, alcançando 1 milhão de acessos. Jéssica também recebeu prêmios como o Candango de Literatura (GDF) e Sérgio Mamberti (MinC) e, atualmente, é curadora do Prêmio Literário da Cidade de Curitiba.

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *