Resenha crítica — Ai de mim, que sou romântica, de Denis Scaramussa

“Quero suar seus ossos / raspar o vidro / cortar a língua / no seu assento.” (p. 69)

Ai de mim, que sou romântica, de Denis Scaramussa
Ai de mim, que sou romântica, de Denis Scaramussa

💥 Uma ode romântica aos trapos, aos vícios e ao amor safado

Ao contrário do que o título pode sugerir, Ai de mim, que sou romântica não é um livro de poemas apaixonados no sentido tradicional da palavra. É, antes, um bestiário lírico que mistura pornografia, farsa, vulnerabilidade e afeto em doses desiguais — e, por isso mesmo, encantadoras.

Denis Scaramussa compõe um livro-partitura para a devassidão emocional e carnal. É poesia que pulsa no baixo-ventre, no sarcasmo, na tristeza, na pornografia confessional e nos resíduos do amor romântico que insiste em sobreviver mesmo depois de “muito feijão com arroz” e uma “terça de carnaval” (p. 92).


🌹 Estrutura e tom: entre a sátira e o sagrado

O livro é dividido em dois atos:

  • I. Romântica — uma sequência de poemas que evocam paixões intensas, erotismo grotesco, personagens reais ou fabulosos (como Cláudia Costa, Rita, Tati, Andrezinho, Juán de la Cruz), sempre entre o humor e a catarse;
  • II. Não me suicidei por um triz — seção mais introspectiva, marcada por uma decadência melancólica, crítica social, delírios metapoéticos e suicídios simbólicos.

É uma virada interessante: a primeira parte é o gozo; a segunda, o desmaio. E no meio, o sujeito lírico cambaleia entre o ridículo e o sublime.


💬 Uma poética debochada e profundamente triste

Entre versos como “o pau do paulo / pinta a parede de branco” (p. 21) e “despreza-me todos intentos / burlescos esporros ao vento” (p. 53), o autor constrói uma lírica debochada, impudica e por vezes pornográfica — mas sempre atravessada por uma melancolia que salva a obra de cair no niilismo fácil.

Mesmo nos poemas mais escatológicos (Despegue, Arit-Mética, Triboanal, Olhinhos, Prova de Amor), há uma dimensão estética assumidamente grotesca que flerta com a performance e o absurdo como forma legítima de expressão.


🧠 Humor, crítica e linguagem

Denis é também crítico da língua. Ele distorce a gramática, hibridiza a sintaxe e provoca o leitor com trocadilhos impublicáveis — mas precisos. Poemas como Gramética e Saraivada (p. 36) revelam uma habilidade com a sonoridade das palavras e com a subversão dos significados:

“Com sorte, concerto, conceito, sessão. / Por morte, consorte, casado, paixão. […] Tropico a musa, por hora é Tieta.”

A força do livro está justamente nessa tensão: ele nunca é puramente escatológico, puramente lírico, puramente crítico — é tudo ao mesmo tempo. E isso é o que o torna tão único no cenário da poesia contemporânea.


📖 Amor, morte e carnaval

Na contracapa, o poema “Adeus” resume o espírito da obra:

“Há que se ter coragem pra matar o amor / assim bem matado / em terça festiva / sem medo de camburão.” (p. 92)

É isso: o amor em Denis Scaramussa é também o luto, a comédia, o disfarce, a ressaca. E talvez por isso o livro seja, paradoxalmente, tão romântico — não porque idealiza, mas porque ama com o que sobra, com o que dói e com o que não cabe em molduras.


✅ Conclusão

Ai de mim, que sou romântica é um livro perigoso. Não no sentido de ofensa gratuita — mas porque escancara o que muitos livros fingem esconder: que o amor é também carne, nojo, absurdo, descontrole, humor, trauma, abandono.

Denis Scaramussa entrega um livro corajoso e hilário, que oscila entre o delírio erótico e o lamento filosófico, entre a pornografia rimada e a solidão sentimental. Um livro para quem aguenta rir de si mesmo — e ainda assim sair com o coração ferido.


📘 Ficha técnica

  • Título: Ai de mim, que sou romântica
  • Autor: Denis Scaramussa
  • Editora: Toma Aí Um Poema (TAUP) – Selo Eu-i
  • Ano: 2024
  • Páginas: 92
  • ISBN: 978-65-982965-4-4
  • Projeto gráfico: Jéssica Iancoski
  • Revisão: Denis Scaramussa

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