“Perante o universo / e suas esfinges invisíveis / resta-me a palavra / aquela que de pequena / parece um filete de átomo dentro do espaço vazio / digo, — a palavra atômica.” (*p. 18)
No segundo livro de Rafael Lima, a poesia se faz instrumento quântico: entrelaça o invisível com o concreto, o macrocosmo com o íntimo, o átomo com o afeto. Dentro do vazio a palavra é atômica é uma obra que pulsa entre o rigor da linguagem filosófica e o desassossego lírico da existência, oferecendo ao leitor um verdadeiro periscópio poético para enxergar o mistério do mundo.

🌌 A poesia como lente cósmica
Logo no prólogo, o autor já nos introduz ao conflito essencial que permeia todo o livro: o embate entre o “eu finito” e o “todo infinito”. Com base em referências que vão de Humboldt a Niels Bohr, Lima propõe uma investigação poética da realidade, onde a linguagem é insuficiente e, justamente por isso, necessária.
Seus poemas orbitam conceitos como tempo, identidade, linguagem, matéria escura, utopia, senciência, buracos negros e civilização — mas sempre filtrados pela sensibilidade do corpo e pela consciência de um sujeito situado. Não se trata de fazer ciência com versos, mas de encontrar no vazio da razão um espaço para a epifania poética.
🔬 Estilo e estrutura: rigor e sensibilidade
A estrutura dos poemas é majoritariamente breve, com forte apelo à construção visual, sintática e sonora. O jogo entre espaços, repetições e quebras revela um poeta que domina a página como espaço de respiração e silêncio. Em Microcosmo (p. 11), temos um exemplo clássico dessa técnica, onde o “eu” poético é tensionado entre o tudo e o nada, revelando-se um “ponto de interseção entre finito e infinito”.
Já em Metalinguagem (p. 41), Lima insere o afeto dentro da palavra, fazendo da própria poesia um corpo sensível. O uso recorrente de expressões filosóficas — como Weltanschauung, ataraxia, ontologia — não torna o texto hermético; ao contrário, eles são tensionados por imagens concretas, como o “ranço amniótico” (Verso ventral, p. 49) ou “o rombo da destruição” (O pródigo, p. 95), que enraízam a abstração no chão da carne e da história.
⚖️ Poesia política e crítica social
Entre os momentos de maior contundência do livro, estão poemas como Violência simbólica (p. 19), Descidadania (p. 46), Negacionismo (p. 82) e Ranço especista (p. 92). Neles, Rafael Lima mostra que sua poesia não é alienada dos abismos sociais: a palavra aqui se arma, não apenas como escudo contra o caos, mas como lâmina crítica contra a injustiça, o preconceito, a apatia e a barbárie.
A linguagem ganha espessura ética: ela não é mero jogo formal, mas ferramenta de resistência e de afirmação ontológica. Nesse sentido, sua escrita se aproxima de poetas como Conceição Evaristo, Manoel de Barros e Adília Lopes — autores que sabem que o silêncio também fala, e que nomear é sempre um ato político.
💥 A palavra como energia
O poema que dá título ao livro (p. 18) sintetiza com clareza a proposta do autor: a palavra, mesmo quando pequena, contém o poder da fissão. Ela é átomo e explosão, silêncio e impulso. É dentro do “vazio” — seja ele o silêncio existencial, a ausência de sentido ou a lacuna da linguagem — que a palavra brilha com sua carga subversiva e irradiadora.
A palavra poética, aqui, não preenche o vazio — ela o expande. Como afirma o próprio autor no poema Contrato (p. 56): “Encontrando a vida crua e amorfa — terei de talhá-la à mão o sentido ausente de existência.” Esse gesto de talhar o sentido na matéria bruta da experiência é o que estrutura todo o livro.
✅ Conclusão
Dentro do vazio a palavra é atômica é um livro corajoso, denso, e ao mesmo tempo sensível e acessível. Rafael Lima nos convida a pensar, sentir e imaginar. Sua poesia não oferece respostas, mas também não se rende ao niilismo: ela aponta caminhos — mesmo que sejam apenas feixes de luz numa noite escura.
Com esse título, Rafael Lima consolida sua voz no cenário da poesia brasileira contemporânea como um autor que olha para o céu sem tirar os pés do chão — e que reconhece na palavra a força ancestral de transformar o mundo.
📘 Ficha técnica
- Título: Dentro do vazio a palavra é atômica
- Autor: Rafael Lima
- Editora: Toma Aí Um Poema (TAUP)
- Ano: 2024
- Páginas: 132
- ISBN: 978-65-6064-093-1
- Projeto gráfico: Jéssica Iancoski
- Revisão: Rafael Lima