Entrevista com Raul Leonardo, autor de Breve Romance D’Estrada

O Livro

Tendo como influências principais Arthur Schnitzler e Jack Kerouac, podemos considerar este livro um romance de matizes góticos no qual o leitor acompanha — como passageiro — a jornada de uma pintora em busca de seu desenvolvimento artístico. Narrado em segunda pessoa, a história traz uma personagem que, precisando insurgir contra o destino de desejo parental, foge com um professor de literatura, por quem é apaixonada. Ao decorrer do livro, a personagem encontra nas artes plásticas um modo de organizar e entender o mundo ao seu redor: através da imaginação e do pictórico, ela desfaz o limite imposto pelo campo do discurso ideológico e encontra novas representações à liberdade, para então, poder agir sobre elas. Em tempos de diálogo e comunicação excessivamente limitantes, transitando no limiar entre a obra e a vida, o que move a artista — até uma tragédia que não pode ser evitada — é a paixão.

O Autor

Raul Leonardo nasceu no Rio de Janeiro, em 1992. Fez estudos universitários em história, literatura e filosofia. Considera-se primeiramente um escritor de narrativas longas. Breve romance d’estrada é seu livro de estreia.

A Entrevista

1 – Para começarmos, apresente-se! Conte-nos um pouco sobre você, sobre os seus
sonhos e aspirações. Como você percebe “o escrever” na construção da sua identidade?
Você faz separações entre quem você é e o seu eu-que-escreve ou são a mesma persona?
Se sim, quais? Se não, por quê?

Foi durante longos anos que levei à frente a ideia de ser escritor, e aqui eu poderia
confrontar as palavras “sonho” e “ideia” pelo seguinte motivo: o sonho significa a realização
de algo por vir, que faria com que a literatura tivesse por finalidade realizar o que seja esse
sonho, enquanto a ideia é uma constante que atravessa cada presente – existiu antes,
existe agora e existirá depois –, e assim o que é ideia não é dissociável da minha realidade
de escritor, o que significa dizer que a literatura passa à condição de fato que define a
existência que tenho. Quando a ideia de ser escritor preenche cada dimensão de tempo,
essa ideia traz à realidade a condição de ser escritor: se ideia e sonho fossem sinônimos,
eu poderia dizer que existir ao redor da literatura é sonhar em estado desperto. A escolha
do artista é entre obra e vida, e escolher a obra é fazer a descoberta de que há uma vida
específica à literatura, e somente os anos de lida para com o material das obras é que
podem revelar a densidade do prazer – e da dor – que há na escrita, esta que é o cerne do
existir com a literatura. Foi em 2011, aos 18 anos, que comecei: um amigo emprestou o
romance On the road, de Jack Kerouac, e a estrada da literatura foi aberta para mim.
Passava dias lendo escritores e lendo sobre escritores, e foi assim que deparei uma frase
de García Márquez: antes de escrever uma obra literária, escrever a própria vida. Fui atrás
de vivências, passando do amor náufrago que acontece na Ilha de Paquetá ao revólver que
é apontado para você, até cair com tuberculose, e na volta do hospital encontrar a ideia de
romance a ser escrito, o romance que desde 2014 idealizo e que hoje está em vias de
acontecer. A literatura, portanto, define minha identidade, embora no âmbito dos
procedimentos – o ser-que-escreve – haja uma separação entre mim e meu narrador:
empresto minha voz ao narrador para que este aborde temas com que posso concordar ou
não, tendo em vista que a literatura propõe ideias a serem debatidas, e expor tais ideias é,
ou muitas das vezes é, mostrar o que na existência tem a forma do mal.


2 – De forma geral, como se dá o seu processo de escrita? O que te motiva a escrever? Há
algum assunto que te atravesse mais? Em que momentos você escreve?


Tenho a sina de ser um escritor latino-americano, e meu projeto literário está demasiado
próximo dos elementos que estiveram presentes na minha formação: minha influência
definitiva são os anos 1960 – Maio de 1968 é evento que não chegará ao fim –, e o que há
nos anos 1960 é a presença de dois conteúdos: o engajamento politico e o desbunde, que
traduzo em minhas obras pelo manejo entre a lida com questões sociais é o prazer estético
de uma narrativa que pretende ser apenas estilo. Meu processo de escrita passa pela
concepção de um plano geral que, se não sigo à regra, norteia o caminho a seguir, até que

a obra adquira proporção específica que traz o motivo que incita a continuar: ver o livro
pronto, que nunca é o livro definitivamente terminado, porque o próximo passo é aderir às
contínuas revisões, refinando conteúdo e forma até que exista a chama da satisfação. Estou
no processo de escrita do segundo romance, a ânsia é por terminar, unicamente porque
pretendo realizar leituras que tragam referências novas, e escrever o próximo e o próximo e
o próximo livro – porque o momento de escrita são todos os momentos. O que motiva minha
escrita é a paixão interior pelo não-conformismo, o que nas obras aparece como elementos
que fazem querer experimentar as possibilidades dos gêneros literários, sob a percepção de
que escrever é exercer a liberdade.


3 – Neste ano, você está lançando o livro Breve Romance D’Estrada, conte-nos um pouco sobre ele!
Quais assuntos o permeiam? O que ele significa para você?


Meu livro de estreia pode ser definido como um romance de formação, com o porém de que
não cessa a formação da pintora que protagoniza a história. Não cessa porque ela está
aberta ao que o mundo é e ao que o mundo pode ser: está em contínua transformação. O
propósito do narrador é fazer com que o livro tenha a presença de minorias sociais que
foram historicamente marginalizadas pelo processo histórico, e que hoje assumem a voz de
que necessitamos a fim de imaginar realidades que sejam inclusivas. O elemento de que
mais gosto no livro é este: à medida que a narrativa avança, o texto é permeado pelos
títulos dos quadros que a pintora faz, e que não são descritos. Não são descritos porque
assim incitam a imaginar o que tais obras são, e imaginar é palavra-chave nesta história. A
narrativa será trágica porque não negligencia a presença do mal a ser enfrentado. Acontece
que delimitar o livro não resume o que a obra é; a narrativa é repleta de elementos em
aberto que para o leitor podem sugerir significações múltiplas, e o que resultará, ao fim, é
isto: o prazer estético.


4 – Como foi para você escrevê-lo? O que se passava em sua mente enquanto você
escrevia? Em quais contextos você estava inserido? Como você percebe a influência
desses contextos para a concepção da obra?


Escrevi este livro nos dois primeiros meses de 2021, portanto durante a pandemia de
COVID-19. A era geológica que vivemos – o Antropoceno – diz das alterações humanas no
meio ambiente como determinantes para a continuidade da vida neste planeta, e a
pandemia recente resulta do processo de quantificação dos objetos que existem na Terra,
especialmente a partir do neoliberalismo como sistema econômico que tem proporções
totalizantes. Em uma entre as camadas do livro, o Antropoceno é tema da obra, tendo em
vista que tal é o contexto de escrita da literatura, hoje. O mundo parecia terminar enquanto
eu escrevia meu primeiro romance!, era o que passava pela minha cabeça, mais as aflições
cotidianas que é ter familiares em situação de risco. Escrever este livro, portanto, foi
enfrentar tudo, na condição específica que é ter a consciência de que minha participação
mínima neste combate é o que pude fazer.


5 – Quais sonhos e utopias você carrega para este livro em específico? O que você gostaria
que esse livro fosse? Como você imagina a relação do leitor com a obra?


Este livro será uma porta de entrada para minha obra – aquele que indicamos quando o
leitor pergunta por qual livro começar a ler um autor. Um livro escrito com sentimento

poderia – possivelmente – fazer com que o leitor partilhasse desse sentimento, abrindo o
que é individual – a história de uma pintora – para o que é coletivo: o reconhecimento de
que a experiência da personagem remete ao que somos, e principalmente ao que podemos
ser enquanto sociedade. Parece ser utópico o fato, ainda que simples, de que uma obra de
ficção tenha significado para o leitor, e isto é o que acontece a cada vez que iniciamos e
terminamos uma leitura. Ou seja: o utópico é real desde que nada seja tomado por
absoluto, e a literatura é o lugar do que não é absoluto por não possuir significados prévios,
e sim significados que o leitor escolhe dar, a cada obra que lê.


6 – Normalmente, interagimos com os leitores apenas através da obra. Se você pudesse
dizer algo diretamente para quem já leu ou lerá o livro, o que você diria? O que é importante
para você que o leitor saiba?


Que, ao término da leitura, o leitor sinta a ânsia por movimento. É do movimento que nasce
a beleza, e é da beleza que nascem o triunfo e a ruína. A história de uma pintora que deseja
reconhecer o que é no que cria, esta é a pequena história do que somos enquanto
estivermos vivos, diante de imponderável que é atravessado pela força do impossível –
quando este passa à condição real.


7 – Por fim, gostaria que você falasse um pouco sobre como você enxerga o mercado
editorial atual?! Na sua percepção, quais os principais pontos críticos que as autoras e os
autores independentes enfrentam? Qual o papel das redes online nesse processo?


A publicação independente é alternativa que autores encontram diante de mercado que
abre poucas oportunidades a artistas que estão em processo de reconhecimento. Diante
das possibilidades abertas pelas redes online – que permitem o encontro entre autor e
público –, a publicação independente é possibilidade viável. É com a publicação
independente que autores têm a primeira oportunidade de mostrar suas obras, e o contexto
literário recente dá a ver que essa forma de publicação é capaz de revelar nomes. É nesse
cenário que está inserida a proposta da Toma Aí Um Poema, editora singular no panorama
das letras atual, por lançar meios de emancipar o autor.

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