Neuzi Barbarini é uma mulher comum que escreve poesia.

Sonhei poemas

Sonhei poemas
em capas duras
e iluminuras.
Acordei banal,
lápis em papel jornal.

Atraso

Um dia terei
a ousadia das mulheres que ancoram navios no ar.
Por ora só um jeito de olhar
para as coisas quase do jeito que elas são:
um ponto de ônibus,
de esperas infinitas,
o passar dos carros apressados
e das gentes nem tanto.
Olho o relógio de pulso, que ninguém mais usa,
e vejo nele o meu atraso.
Hoje o dia vai ser corrido.

>> Leia A Revista Toma Aí Um Poema!

Refinamentos

Busca um refinamento,

mas dos pés que pisaram chão bruto

sai um caminho com cheiro de batatas recém-saídas da terra

que queimam no braseiro

e são comidas com a mão.

Procura refinamento,

mas das mãos que carregam batatas

saem gestos largos,

sem comedimento,

e braços que apertam no abraço.

Queria refinamento

mas da boca bruta

saem brasas,

palavras de terra,

palavras-batata, recém colhidas,

alimento

sem refinamento.

Essa beleza toda

Enquanto a poesia, solene, fala dos deuses,

eu louvo a lagartixa que corre pela parede

e que garantirá o equilíbrio das espécies, devorando aranhas e insetos.

Sou dada a cuidar do miúdo,

do que não importa muito no cômputo geral das coisas,

dos olhares e falares respingando sutilezas,

como as tímidas mãos do casal de moços

que quase se tocam, mas fazem semblante de não quereres

e dos velhinhos que guardam farto suprimento de ternuras.

Volto à poesia solene

e ela é bonita como um templo e seus altares distantes,

diante dos quais ajoelho

e sinto doer a carne dos meus dias,

recito uma oração,

mas não sei se entendo dessa beleza toda.