Três Poemas de Oluwa Seyi, para o Toma Aí Um Poema.
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Por um mundo com mais poesia!

Graduada, mestre e doutoranda em Letras pela USP. Mulher preta, filha de Oxum, professora, pesquisadora e escritora. Publicou poemas, contos, artigos e ensaios em revistas e coletâneas literárias e científicas.
Entremeio
(publicado na revista Mallarmargens)
A poesia, um pobre barco à vela
sobre mar aberto e sob chuva grossa, bamboleante
A poesia, uma rachadura
que deixa afluir água salgada dentro dessa flagelada embarcação
A poesia, mesmo um pequeno balde trabalhador
que infinitas vezes bebe e cospe a líquida invasora
Eu, jangadeira.
A poesia, uma casa muito ampla,
estranhamente iluminada e de escassa mobília
A poesia, uma janela sem armação,
sem vidro,
sem tapume,
só a janela.
A poesia, mesmo um buraco na parede frontal dessa residência,
que convida qualquer um a adentrá-la.
Eu, moradora.
A poesia, uma criança muito viva,
de grandes olhos e sons que ainda não se entende
A poesia, um parto normal,
de contrações e sangue,
parindo, antes da prole, a mim mesma como potência de outras vidas
A poesia, mesmo uma gravidez insuspeita
que resulta mais da revelação que do sexo
Eu, mãe.
Pequeno pedaço de amor
Meu pequeno pedaço de amor me encontrou por milagre
Não quis saber meu nome,
não decifrou meu mapa astral,
não se importou com minha linha genealógica
Nunca me perguntou nem as horas
Meu pequeno pedaço de amor é assimétrico
Enxerga com dificuldade em espaços muito iluminados,
faz promessas repetidas
anda em círculos por muito tempo,
e não sabe ser sério ou mesmo educado
Meu pequeno pedaço de amor me deu linguagem,
reformou minha coluna cervical
e sempre vela meu sono quando quase amanhece
Todos os meus traços de humanidade
foi a mão dele que desenhou
Meu pequeno pedaço de amor me salvou do abismo
Me ofereceu espelho, garfo e um par de sapatos
que me cabem com algum esforço
mas definitivamente me cabem:
meu pequeno pedaço de amor me coube também
E me faz caber no mundo todo.
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Água acha jeito
A solidão é deveras sólida
Intransigente
Pouco educada
Nunca pede permissão para entrar
E vai ficando mesmo se é tarde
Ocupa casas
Rouba as cobertas
Deixa marcas de pegada
Espalha farelos de pão
Apaga todas as luzes
A solidão, quando chega,
Diz que eu sou essencialmente mole
E ela nunca teve tanta razão
Ser mole é o melhor aspecto da minha estrutura
É por ser maleável que eu jamais quebrei
É por não ter qualquer coisa rígida
Aqui dentro de mim
Que nunca pude oferecer resistência ao chão
Nas muitas vezes em que desabei
Sendo eu tão moldável, a solidez da solidão
Não é hábil em me ferir:
Eu contorno sua intransigência
Vejo até graça em sua falta de educação
Permito que entre, mesmo sendo tarde
Limpo a casa
Lavo a coberta
Enxaguo as marcas
Carrego os farelos
Aprendo a fluir no escuro:
Água persistente sempre acha jeito.
Também não ofereço resistência à solidão
Porque confio no ditado que prevê que, no fim,
Quem perfura a rijeza dela sou eu
A Poesia irá dominar o mundo!
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